sexta-feira, 23 de março de 2007

A Cicatriz

Uma cicatriz é uma marca. Normalmente, um sinal feio. Branca, vermelha, grande, pequena. Não escolhe raça, idade ou sexo para aparecer. Todo mundo sempre carrega uma.

Ela pode trazer diversos significados. Uma aventura na infância, daquelas de pular cerca com arame farpado ou uma queda de bicicleta. Uma mordida de cachorro, uma briga com o irmão e até uma queda na escada podem deixar marcas.

Outras cicatrizes podem não trazer lembranças saudosistas de uma infância de aventuras e desventuras. Esses sinais podem ser resultantes de acidentes mais sérios, da vida adulta. Uma batida de carro ou uma briga com conseqüências mais perigosas como uma facada.

E também tem aquela cicatriz de amor. Aquele sinal marcado dentro do peito. A que dizem ser a mais difícil de sarar, porque quando você acha que ela está fechando, algo acontece e a rasga novamente. E sangra tudo de novo.

E ainda tem as cicatrizes como a de Carlos. Aquelas que são uma mistura de todas as outras: ele carregava uma marca, um sinal no peito. Era um resquício de amor, tanto no seu sentido poético, quanto no seu sentido sexual. E também uma mistura de alegria de criança com o perigo das relações adultas.

Um arranhão. Foi o que deixou a cicatriz em seu peito. Vermelha como o esmalte pintado na unha dela na noite em que, morta de prazer, lhe apertou tanto que ficou marcado.

Ardeu, ficou ferido e depois cicatrizou, mas ele repetiria aquela noite e ganharia várias outras marcas em seu corpo se fosse possível. Não pensaria duas vezes em entregar seu corpo à flagelação dos arranhões dela se todos acontecessem da mesma maneira.

Carlos carregava aquela lembrança em seu peito. E todos os dias, em frente ao espelho, ele sonhava em ter novamente as unhas dela – pintadas de vermelho – cravadas em seu peito. Um prazer absoluto.

domingo, 18 de março de 2007

Como uma lua

Tenho fases de ser inteligente. Fases que falo “abrido” em vez de aberto. Fases que morro de manhã e ressuscito de noite. Ora fico em casa, ora saio a rua sem ter muito pra fazer. Tenho fases que prefiro a parede ao sorriso de uma bela moça. Fases de gostar mais, fases de gostar menos. Também tenho fases que não gosto. Ou melhor, fases que detesto. Momentos péssimos de serem vividos, mas que precisam ser vividos.

Tenho fases de insegurança. Em outras fases eu tenho tanta segurança que me sinto inseguro. Tenho fases de achar-te linda. Em outras quero que Deus me devolva o domínio sobre meus sentimentos e peço a Ele que me revele o quinhão de feiúra da mulher amada. Tenho tantas fases que acredito ser a lua. Mais adiante, tudo fica tão igual que penso ser o barulho do mar.

Tenho fases que sinto frio. Fases que sinto calor. Às vezes quero ser extremamente frio. Nessas fases penso em contratar um caminhoneiro ou um caixeiro para me legar uma pitada de ignorância e desprendimento. Em momentos quero afastar-me de tudo ao meu redor. Em outros quero tudo de volta, como se fosse uma criança que “ora quer o que quer, ora quer o que querem que ela queira”. Tenho fases que me orgulho de ser doce e amável. Fases que me orgulho de ser tolerante, discreto, amigo, alegre, chato, inconveniente, burro, maduro, infantil e amado. Em outras me sinto um deserto por isso. Acho que tenho fases que queria ser eu, fases que queria ser você.

Mas de todas as fases a que eu gosto mais é quando tudo parece normal. Quando nada acontece, mas há um iminente perigo no ar, como a calmaria antes da tempestade ou a excitação antes da depressão. Tenho fases de pensar na vida, fases que a deixo me levar. As vezes quero carinho, as vezes quero que percebam que quero carinho. As vezes me sinto muito caro, as vezes sou a deflação em desatino. Tenho fases de falar muito, fases de falar pouco. Tenho fases que sou o problema. Tenho fases que sou a solução. Tenho momentos de achar tudo engraçado.

Em certas fases eu te entendo. Na maioria delas não. Quando penso que te entendo, chega a fase do caminhão, que atravessa a via na minha preferencial, atropela o coração e me afasta de novo de ti. Tenho fases que sou sincero. Em outras não. Vivo momentos que te sinto de verdade. Em outros, te sinto de mentira. Tenho fases de ser exigente. Fases que detesto gente. Ontem tive a fase da desunião, que é quando o sentimento desmaia como se nunca mais fosse acordar. É apenas uma fase. Logo ele volta e reascende a fase do desejo. Hoje estou na fase da delação, que é quando fofoco pra mim tudo que penso ser e descubro que queria ser tudo que escrevi. Aí está o começo da fase da ilusão.

segunda-feira, 12 de março de 2007

A máquina de Jonas

Já reparou como o tempo passa rápido quando estamos com alguém que gostamos, ou quando estamos fazendo alguma coisa bem divertida? Aquela tarde com a namorada, cheia de beijinhos e abraços passa feito avião da aeronáutica em dia de sete de setembro. E aquele bate papo com os amigos, em baixo do bloco, em uma sexta-feira à noite...Quando vê já são duas da manhã. Isso sem falar no sono né?!?! Nunca é suficiente, sempre precisamos de pelo menos mais dez minutinhos.

E quando estamos fazendo algo chato?? Aquela aula de matemática que nunca termina. Aquela amiga chata que liga bem na hora do futebol pra chorar porque a calça jeans não cabe mais nela, ou sua avó que quer saber se você melhorou daquela dor de ouvido de seis meses atrás.

E foi pensando nisso que Jonas decidiu inventar aquela máquina. “Máquina de Inversão”, era como ele a chamava. Isso porque a sua finalidade era justamente a de inverter o tempo. Como? Trocando essas situações que falei acima.

Assim, com sua Máquina de Inversão, Jonas fazia a aula de matemática passar mais rápido que um trem bala (mesmo que ele nunca tenha visto um) e a fila do banco quase não existia. Engarrafamento então, nem pensar. Jonas fazia todas as coisas chatas correrem com os ponteiros do relógio e com isso ganhava tempo para as coisas legais.

As tardes no parque jogando bola eram intermináveis. Uma bola de sorvete durava mais que um pote inteiro, e o jogo do seu time - quando estava ganhando e jogando bonito, é claro - durava muito mais que os dois tempos de 45 minutos. Mas o melhor, o bom mesmo, aquilo que fazia Jonas botar sua máquina pra funcionar mais rapidamente era quando encontrava com ela. Fabiana! Ahh... Jonas se derretia todo. Os carinhos, cafunés, beijinhos. A máquina quase explodia de tanto que funcionava, mas para Jonas essa tinha sido a maior razão de construí – la.

Naquele momento, para Jonas, o tempo passava lentamente. Mais devagar que bicho preguiça se espreguiçando. Parecia que você, atrasado para a reunião mais importante da sua vida, parou em uma faixa de pedestres para esperar a travessia de uma família de caramujos acompanhados por sua amiga lesma. Nunca, nuca algo poderia ser tão lento. E era isso que fazia Jonas feliz. Aquele instante era algo mágico e se eternizava.

E agora você deve estar se perguntando: “Como ele construiu a tal máquina?” “Será que ele me empresta um pouquinho? Quem sabe não me vende?” E é aí que eu deixo o Jonas falar por ele: “Cada um tem sua própria máquina. Basta saber como fazê-la funcionar, e essa é a parte mais fácil. E só você pegar aquele tempo bom, nem que ele tenha durado só um segundo, e guardá-lo bem na sua memória. Pronto, você bota sua máquina pra funcionar usando a memória. Reviva o segundinho bom se lembrando o quanto foi gostoso, as sensações e tudo mais sentido naquele momento. E as coisas ruins você deve apagar da memória. Dessa maneira não precisa ficar relembrando nada que não deseje. Simples...”

Ouvi dizer que agora Jonas está tentando aprimorar a máquina. Em vez de passar o tempo devagar, vai faze-lo parar. Eita sujeitinho esperto esse Jonas! Que houve? Leu o texto rapidinho? Ah, comece a botar sua máquina pra funcionar então...