segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Temporal

Ela chegou junto das chuvas de fim de ano. Na verdade, ele não se recorda se realmente chovera no dia do primeiro encontro, mas não era importante. Naquele dia, podia ter chovido canivete, meteoro, flores e dinheiro que sua única lembrança seria daquele beijo.

Mas é certo que a chuva o fazia lembrar dela. Talvez porque ela veio como um temporal que lhe lavou todas as tristezas. Talvez porque a chuva é purificante. Ou talvez, porque ele gostava do cheiro da chuva e também do cheiro dela, ainda que fossem bem diferentes. Talvez também porque gostava de ver a chuva caindo, assim como gostava quando ela caía em seus braços. Ou até mesmo porque por mais que a chuva tornasse um belo dia em um dia feio, com ela o dia se alegrava.

Enfim, ele podia ter vários, mas não precisava de muitos motivos. Só sabia que a chuva sempre o fazia pensar nela. Nela e naquelas tardes chuvosas de sábado, quando se abraçavam e passavam o resto do dia juntos ouvindo a água cair lá fora. Enquanto lá dentro, parecia que um sol brilhava só para os dois.

O problema dele é que sabia que a temporada de chuvas não duraria muito mais. Logo as águas iriam embora e a seca viria. Ele precisava fazer um reservatório, criar um sistema de irrigação, ou até, quem sabe, aprender a dança da chuva com algum velho índio. Tudo para não deixar aquelas tardes se acabarem com a seca.

Ou então que a seca viesse, afinal. Ele sabia que não podia lutar contra as forças da natureza. Viriam o calor, as tardes quentes, meses e meses sem que uma gota de água caísse do céu. Mas também sabia que, mais dia, menos dia, a chuva voltaria. Talvez vinda de uma frente fria européia. Daquelas que encobre a torre Eiffel de neve. Que fecha as portas do museu do Louvre. Que deixa o Big Ben com seus ponteiros congelados.

Mas uma hora, as correntes de ar a trariam de volta ao Brasil. De volta para os braços dele. Para chover sobre ele. E aí ele não deixaria de guardar na lembrança se caíssem canivetes, meteoros, fogos de artifício, flores, dinheiro e até mesmo água. Água que levaria toda a seca embora.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

O lago

Um cigarro era tudo que ele tinha. Passara a noite fora. Consertara o retrovisor do carro, bebera feito um louco e agora tentava voltar pra casa. Estava bêbado. Bêbado como um palhaço bêbado. O som do carro estava quebrado. A cabeça sem criatividade. Não cantava nada. Só tinha um cigarro. Ascendeu.

Passou por uma ponte, olhou para o lago e lembrou. Há três meses, naquela mesma hora, saia de uma cachoeira, também bêbado, e parava na beira do lago. Ele e ela. Ela e ele. Os dois, juntos, amados, apaixonados. Tirou-lhe a roupa e cravou a mão direita acima da cintura daquela pele lisa, branca e vermelha ao mesmo tempo. Apertava e pensava: amo, amo, amo. Mil! Vezes! Amo!

Estavam ali porque namoravam e viajavam só pra viver esse amor. Com perfeição. Naquela manhã, só os dois, expulsaram a roupa do corpo e fizeram amor enlouquecedor na terra úmida. Um amor ardente. Tão intenso que ambos tremiam, lágrimas caiam dos olhos. Tudo era pura felicidade e paixão.

Voltou a si. Já ultrapassara a ponte e mal conseguia segurar a última cerveja. Só pensava nela. Pegou o telefone. Discou, mas errou o número. Pensou em desistir. Jogou o telefone no banco do passageiro e continuou o caminho. Dali a dez minutos estaria em casa.

Não era a primeira vez que fazia aquilo. Já ligara outras vezes. Todas de madrugada. Mas lhe faltavam palavras para falar qualquer coisa. Quando ouvia a voz dela, tudo parava. As mãos, os pés, a mente, a boca. Tudo. Nada saia de lugar algum. Então, ouvia um alô prosseguido de um timbre impaciente, que reclamava com curiosidade raivosa:

- Alô? Alô? O que é que você quer, hein? Por que não me deixa em paz? Não te devo nada! Devo nada a ninguém. Você por acaso é algum psicopata? Está tendo prazer com isso seu desgraçado? Larga esse telefone! Vira gente! Fala alguma coisa!

Aquele discurso era gozado. Ele entendia muito bem a reação. Era raiva, propositalmente, para não ser amor. Estavam separados há meses. Ele nunca a esquecera e ela... não se sabe. Mas aquela impaciência, para ele, soava como ansiedade. Ela também sofria, pensava ele, bem lá no fundo.

Continuou a dirigir após um sorriso no canto da boca. Ele adora aquele jeito impaciente, impulsivo e objetivo. Pegou o telefone outra vez. Decidiu que agora seria diferente. Jogou a garrafa de cerveja fora. Discou. O telefone deu a primeira chamada. A segunda. A terceira. Ela atendeu:

- Alô?

Silêncio...

- Olha aqui. A partir de amanhã meu telefone estará cortado. Vou mudar de número e colocar um bina aqui. Quero ver você continuar ligando! Seu louco! Maldito! Me deixa em paz! Ou então se mostra logo... covarde!

Ele sorriu de novo. Mas decidiu que daquela vez falaria. E falou.

- Desculpa. Eu te amo!

Foi tudo que conseguiu. Desligou. Sentiu uma leveza no peito. Tanta, que ele fez o retorno com o carro, parou num posto, comprou outra cerveja e tomou toda, escutando rádio e lembrando da beira do lago.

*Inspirado no post “Telefonema”, logo aqui embaixo.