segunda-feira, 5 de julho de 2010

Fórmula Dove

Eu até estava indo bem, sabe? Já tinha saído daquela fase de madrugadas chorosas e bêbadas, já tinha passado aquela impressão de ver seus olhos em cada espelho, de ver teu carro em cada estacionamento. Já tinha conseguido até passar o aspirador de pó em casa, pra ver se não sobrava nenhum fio de cabelo teu escondido por aí. Também já não tinha mais aquela vontade de te ligar a todo momento, implorando pra você voltar pra mim e que eu vou mudar e que nós ainda podemos ser felizes. Tudo isso já tinha passado.

Já tava de volta a rotina do trabalho. Reconquistei a confiança do chefe. Retomei projetos que tinha deixado parado. Até mesmo o futebol no domingo. Voltei a fazer gols! O primeiro foi lindo, até cheguei a levar o anelar esquerdo à boca para dar um beijo, quando senti que não tinha mais aliança. Mas foi rápido, passageiro, logo recebi outra bola e esqueci disso.

Até umas paqueras novas já estavam rolando. Trocas de mensagens aqui. Uns olhares ali. Beijos acolá. Percebi que não tinha me esquecido como ser conquistador. Mas todas garotas de uma noite só. Boas noites, inclusive.

Mas aí veio a primeira viagem a trabalho. Lembra? Daquelas que eu ia num dia pela manhã, fazia reuniões o dia inteiro, passava a noite e voltava no outro dia pela manhã. Pois é, retomei isso também. E já em arrependo.

O dia tinha sido bom. Reuniões produtivas, projetos encaminhados. Happy hour divertido. Uma garota passou a noite me dando bola. Até me permiti trocar olhares e por fim, alguns beijos no estacionamento. Voltei ao hotel e entrei no banho. Ao abrir a saboneteira, você me invadiu novamente. Em vez do meu tradicional sabonete glicerinado, encontrei aquele teu dove. Você dizia que eu tinha que usar dele, pra poder hidratar minha pele. Mal sabia você que todos são iguais, meros detergentes da pele.

Teu cheiro estava guardado nele. Aquele cheiro doce, de pele macia – não por conta do sabonete, mas por conta da natureza que te fez assim mesmo –, de saudade. Aquele teu cheiro de aconchego, aquele teu cheiro de me deixar com tesão. Aquele teu cheiro de me fazer cafuné, aquele teu cheiro de me fazer dormir.

Debaixo do chuveiro eu chorei. Lá fiquei até o sabonete derreter por completo entre meus dedos. E depois adormeci sentindo teu cheiro em minha mão. Como se você estivesse ali. E foi assim que descobri a fórmula perfeita pra te ter sempre comigo.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Faxina Geral

Nada como um bom pedaço de pano e uma garrafa de álcool para fazer uma limpeza. Não, não. Não to falando da mesinha de centro da sala que você limpa com um paninho perfex e um litro de álcool Guarany.

To falando do pano, do linho do lenço Presidente que você me comprou para eu usar no casamento daquela sua amiga. Eu achei brega. Lembra que você bebeu além da conta, vomitou e acabou usando meu lenço para se limpar? Pelo menos a breguice teve bom uso. E foi pro lixo. Mas no dia seguinte você fez questão de me dizer que tinha comprado uma caixinha. Ainda sobravam dois. Ficaram guardados na gaveta das cuecas.

To falando do álcool que se bebe, da cana ardente da cachaça ruim que você comprou para fazer quentão em fevereiro, já que você estava com desejo. Onde já se viu desejo de não grávida? Mas você disse que não tava encontrando gengibre. Sem gengibre não tinha graça. Tomou a garrafa do malbec argentino - que eu guardava pra uma ocasião especial - com sua amiga que três meses após o casamento pegou o marido com uma sirigaita no clube. Esqueceu do quentão e a garrafa ficou lá no canto do armário, tomando poeira.

Pois é esse mesmo lenço brega e essa mesma garrafa de cachaça ruim que fazem minha faxina hoje. O linho que eu esfrego no meu rosto, secando as lágrimas, arrancando essa pele velha e desgastada. A aguardente que desce rasgando a garganta, queima o esôfago, faz eco no estômago e estremece o fígado.

Mas eu to me limpando de você. Me desinfetando do seu cheiro que ainda ficou no lençol. Arrancando todos os micróbios da sua boca que ainda possam estar espalhados pelos copos, pela caneca de cappucino, e até na taça de vinho. Me desfazendo das suas lembranças, das suas manias, dos seus pedidos. É faxina geral, livre de você.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Teoria da Relatividade

“Tudo é relativo”, dizem por aí. Não tenho certeza, mas deve ter sido Einstein, com sua teoria da relatividade, que criou essa blasfêmia e a transformou em conhecimento público. Acredito mesmo que o que ele queria dizer era que até essa frase – “tudo é relativo” – é relativa. Porque não dá para tudo, realmente, ser relativo.

O meu amor por você, por exemplo, não é relativo. Mesmo tendo na etimologia da palavra relativo o significado de relação, o termo tornou-se algo como “pode ser que sim, pode ser que não”. E é aí que falo que não. Não há nenhuma relatividade na excitação dos nossos corpos ao se encontrarem, no suor de nossas mãos, segurando umas as outras, sabendo que ali haverá sempre um porto seguro, não há relatividade nos seus olhos que me encaram e me dão a certeza de um futuro.

Não há “pode ser que sim, pode ser que não” nos nossos planos, nossas viagens, nossos desenhos, nossas provas e marcas de amor. Não há relativismo nas tuas mãos percorrendo meu corpo, muito menos na tua boca dizendo um baixinho e suave “eu te amo” na minha orelha.

Pois então, te digo que nosso amor, não. Ele não é relativo. Não cabe qualquer hipótese relativista, pois no nosso amor só há concretismo, só há realismo, só há futurismo.

sexta-feira, 19 de março de 2010

É impossível ser feliz sozinho?

Sexta-feira, 23h, chuva torrencial lá fora e ele já se sentia mal. Banho tomado, roupa vestida, perfume no cangote e a notícia, via twitter – direto no seu blackberry, de que a festa estava cancelada por conta da chuva. Afinal, onde já se viu luau na praia com aquela tempestade?

Mas sexta é dia de balada. Dia de pegação. Ficar em casa e ver TV estava fora dos planos. Nem uma das garotas da lista se dispôs à ir a casa dele. E não rolou nenhum convite a ir à casa de ninguém. A fome bateu. Nem o hot dog da barraquinha na praia ia rola hoje. E agora?

Agora que ele se deu conta de que podia ficar sozinho. Podia cozinhar pra ele mesmo e beber aquele vinho guardado pra um momento especial com a ex-namorada que nunca chegou e agora não ia mais chegar.

Colocou uma música no som, foi pra cozinha ver o que tinha na geladeira. Massa era uma boa pedida para acompanhar o vinho. Mas não tinha. “E daí? Vou comer o que eu tiver vontade.” E um mexido de ovo, arroz, feijão, cenoura e queijo nunca harmonizou tão bem com um malbec argentino.

Som rolando, comida na mesa, vinho na taça. Ele até dançou sozinho. E relembrou que é, sim, - desculpa Tom Jobim - possível ser feliz sozinho. Nem que seja só por alguns instantes. Afinal, amanhã é sábado e tem mais balada à vista.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Quando dois se bastam

- Por quê? Por que tanta alegria, tanta risada? Você consegue me explicar?

Foi o que me disse a vizinha assim que abri a porta. Era domingo e nós terminávamos um almoço tardio – como sempre são os almoços de domingo – regado a muito vinho e um delicioso risoto de funghi preparado pela Clarinha.

Não sei se foi o vinho, mas não me recordo de estarmos rindo tanto assim, a ponto de incomodar a vizinha. Aliás, desde quando alegria incomoda alguém?

- Como?

Foi a única reação que tive.

- Eu quero saber, Sr. Tiago, a razão de toda essa euforia, toda essa alegria, todas essas gargalhadas. Por quê? O que traz a vocês dois tanta felicidade? Vocês são sozinhos! Não tem amigos, não tem filhos, não tem família. Estão aí, só os dois, e parecem que estão na maior festa do mundo. Dá para explicar? Nem um cachorro vocês têm!

Eu e Clara havíamos nos mudado a pouco tempo para aquela casa. Assim que nos estabelecemos, a vizinha – Neide é o nome dela – veio bater à nossa porta. Trouxe um cartão de boas-vindas feito pelos seus dois filhos. Os meninos deviam ter entre 5, o mais novo, e 10 anos, o mais velho. Eles desenharam em uma folha de papel um casal, que presumi sermos nós, e uma família com pai, mãe e dois pequenos meninos de cabelos arrepiados, que imaginei como sendo eles. No alto da folha, em letras de forma estava escrito: BEM VINDOS VISINHOS VIZINHOS.

Ela foi simpática e disse que estaria à disposição para tudo que precisássemos. Perguntou sobre nossos filhos – os quais ainda não estamos pensando em ter –, convidou Clara a conhecer o grupo de ginástica do bairro, indicou uma diarista para ajudar com os serviços domésticos. E prometeu um filhote de Pastor Alemão da próxima ninhada de seu casal de cães. São premiados os bichinhos.

Mas o que mais me assustou foi a relação que ela criou entre sermos sozinhos X sermos felizes.

- Como assim, sozinhos?

Foi tudo o que consegui retrucar. A essa altura, o gênio cricri da Clara já estava atrás de mim na porta, bufando e querendo saber o que estava acontecendo.

Tá certo que a casa era muito grande para só nós dois. Mas isso não tem nada a ver com nossa família e amigos. A mãe da Clara – sogras! – passava sempre por lá. Minha mãe – sogras, de novo! – não deixava passar uma semana sequer sem dar o ar de sua graça. Meus irmãos e uma amiga-irmã da Clara – ela não tem irmãos de sangue – já dormiram várias vezes no quarto de hóspedes. E nossos amigos também sempre aparecem para um jantar, ou almoço, ou só mesmo pra jogar conversa fora. Não tinha essa de sozinhos.

- Sozinhos! S-O-Z-I-N-H-O-S. Sem ninguém para fazer companhia. Sem crianças correndo e gritando para preencher o vazio dessa casa. Sem um cachorro para fazer guarda. Sem uma empregada para varrer e lavar suas roupas. Sós. Vocês não são uma família normal. E ainda assim estão aí nessa algazarra, rindo, ouvindo música, cozinhando e bebendo vinho. Como vocês fazem isso sem ter alguém pra partilhar?

- Acho que a gente se basta, dona Neide. É só isso. Um faz companhia pro outro e não precisamos de muito mais que isso. Crianças serão benvindas, quando for o momento certo. Cães serão ótimas companhias, quando quisermos ter outra companhia. E nossas famílias, bem... nossas famílias estão sempre por aqui. Mas acho que a resposta mais direta para a senhora é só mesmo essa: a gente se basta, se completa e assim tá muito bom. Não precisamos de uma vida tão cheia e tão completa. Pelo menos não no sentido que a senhora diz. Não com essas coisas que a senhora considera importantes.

Ela murchou e começou a chorar. Chorava como há muito tempo não via ninguém chorando. Soluços doloridos, um choro raivoso. Clarinha ofereceu sua taça de vinho. Ela recusou, virou as costas e saiu andando. Um pouco mais à frente virou-se, balançou a cabeça e pediu desculpas.

Uma semana depois, também já no fim de um almoço – com amigos, registre-se – veio nova batida na porta.

- Boa tarde. Vim buscar a mudança da dona Neide.

- Dona Neide? É a casa amarela. Aquela ali do outro lado da rua.

- Desculpa! A dona ligou tão aperreada que nem anotei o endereço direito. Pensei que fosse casa 12.

- Tudo bem.

- Boa tarde pro senhor. Muito obrigado.

- Por nada. Bom trabalho pra você.

Neide tinha descoberto que o marido a traía. Viu ruir toda a estrutura de boa família que ela vinha construindo. E surtou. Parece que agora está morando lá do outro lado da cidade e se consultando com um psicólogo para poder entender que é possível ser feliz sozinha. Ou com alguém que se ama.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Com o tempo passa

“Como pode ser gostar de alguém e esse tal alguém não ser seu? Fico desejando nós gastando o mar. Pôr-do-sol, postal, mais ninguém...” A Vanessa da Mata tocava no som do carro enquanto ela dirigia e, chorando, lembrava que lhe disseram que com o tempo passaria. Na primeira semana – recheada de dor, desespero, solidão e intermináveis lágrimas – ela acreditou piamente naquilo.

No mês que se sucedeu – trinta dias cobertos de indagações como “será que eu volto atrás?”, “será que ele ainda me quer?”, “será que se eu enfiar o dedo na tomada morro eletrocutada?” – ela ainda tentou acreditar naquilo. Pensou que seria questão de dias para esquecer tudo.

“Peço tanto a Deus para lhe esquecer, mas só de pedir me lembro...”, continuava a cantarolar o rádio. E o tempo passou e o sentimento permaneceu. Batia ali aquela dúvida, aquele medo, o receio de quem fica só. Soprava em seu ouvido a melodia da tristeza, o uivo do lobo solitário. Ressoava em seu peito o eco do isolamento.

Dois meses, três. Algumas tentativas de recomeçar de outro jeito. Viagens para esquecer, tentativas de novos affairs, novos amigos, nova vida. Mas tudo voltava a ele. “Sinto que você é ligado a mim. Sempre que estou indo, volto atrás. Estou entregue a ponto de estar sempre só esperando um sim ou nunca mais...”.

Mas ali, em meio ao trânsito e às lágrimas, ela percebeu que não, não passaria com o tempo. Que não sumiria o desejo, o respeito, a parceria e muito menos o seu sentimento. O seu amor. De supetão entrou no primeiro retorno e tomou o caminho que há muito não fazia. O caminho dele. Ela precisava voltar. “É tanta graça lá fora passa o tempo sem você. Mas pode sim, ser sim amado e tudo acontecer. Quero dançar com você. Dançar com você. Quero dançar com você.Dançar com você êêêê”.