sexta-feira, 19 de março de 2010

É impossível ser feliz sozinho?

Sexta-feira, 23h, chuva torrencial lá fora e ele já se sentia mal. Banho tomado, roupa vestida, perfume no cangote e a notícia, via twitter – direto no seu blackberry, de que a festa estava cancelada por conta da chuva. Afinal, onde já se viu luau na praia com aquela tempestade?

Mas sexta é dia de balada. Dia de pegação. Ficar em casa e ver TV estava fora dos planos. Nem uma das garotas da lista se dispôs à ir a casa dele. E não rolou nenhum convite a ir à casa de ninguém. A fome bateu. Nem o hot dog da barraquinha na praia ia rola hoje. E agora?

Agora que ele se deu conta de que podia ficar sozinho. Podia cozinhar pra ele mesmo e beber aquele vinho guardado pra um momento especial com a ex-namorada que nunca chegou e agora não ia mais chegar.

Colocou uma música no som, foi pra cozinha ver o que tinha na geladeira. Massa era uma boa pedida para acompanhar o vinho. Mas não tinha. “E daí? Vou comer o que eu tiver vontade.” E um mexido de ovo, arroz, feijão, cenoura e queijo nunca harmonizou tão bem com um malbec argentino.

Som rolando, comida na mesa, vinho na taça. Ele até dançou sozinho. E relembrou que é, sim, - desculpa Tom Jobim - possível ser feliz sozinho. Nem que seja só por alguns instantes. Afinal, amanhã é sábado e tem mais balada à vista.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Quando dois se bastam

- Por quê? Por que tanta alegria, tanta risada? Você consegue me explicar?

Foi o que me disse a vizinha assim que abri a porta. Era domingo e nós terminávamos um almoço tardio – como sempre são os almoços de domingo – regado a muito vinho e um delicioso risoto de funghi preparado pela Clarinha.

Não sei se foi o vinho, mas não me recordo de estarmos rindo tanto assim, a ponto de incomodar a vizinha. Aliás, desde quando alegria incomoda alguém?

- Como?

Foi a única reação que tive.

- Eu quero saber, Sr. Tiago, a razão de toda essa euforia, toda essa alegria, todas essas gargalhadas. Por quê? O que traz a vocês dois tanta felicidade? Vocês são sozinhos! Não tem amigos, não tem filhos, não tem família. Estão aí, só os dois, e parecem que estão na maior festa do mundo. Dá para explicar? Nem um cachorro vocês têm!

Eu e Clara havíamos nos mudado a pouco tempo para aquela casa. Assim que nos estabelecemos, a vizinha – Neide é o nome dela – veio bater à nossa porta. Trouxe um cartão de boas-vindas feito pelos seus dois filhos. Os meninos deviam ter entre 5, o mais novo, e 10 anos, o mais velho. Eles desenharam em uma folha de papel um casal, que presumi sermos nós, e uma família com pai, mãe e dois pequenos meninos de cabelos arrepiados, que imaginei como sendo eles. No alto da folha, em letras de forma estava escrito: BEM VINDOS VISINHOS VIZINHOS.

Ela foi simpática e disse que estaria à disposição para tudo que precisássemos. Perguntou sobre nossos filhos – os quais ainda não estamos pensando em ter –, convidou Clara a conhecer o grupo de ginástica do bairro, indicou uma diarista para ajudar com os serviços domésticos. E prometeu um filhote de Pastor Alemão da próxima ninhada de seu casal de cães. São premiados os bichinhos.

Mas o que mais me assustou foi a relação que ela criou entre sermos sozinhos X sermos felizes.

- Como assim, sozinhos?

Foi tudo o que consegui retrucar. A essa altura, o gênio cricri da Clara já estava atrás de mim na porta, bufando e querendo saber o que estava acontecendo.

Tá certo que a casa era muito grande para só nós dois. Mas isso não tem nada a ver com nossa família e amigos. A mãe da Clara – sogras! – passava sempre por lá. Minha mãe – sogras, de novo! – não deixava passar uma semana sequer sem dar o ar de sua graça. Meus irmãos e uma amiga-irmã da Clara – ela não tem irmãos de sangue – já dormiram várias vezes no quarto de hóspedes. E nossos amigos também sempre aparecem para um jantar, ou almoço, ou só mesmo pra jogar conversa fora. Não tinha essa de sozinhos.

- Sozinhos! S-O-Z-I-N-H-O-S. Sem ninguém para fazer companhia. Sem crianças correndo e gritando para preencher o vazio dessa casa. Sem um cachorro para fazer guarda. Sem uma empregada para varrer e lavar suas roupas. Sós. Vocês não são uma família normal. E ainda assim estão aí nessa algazarra, rindo, ouvindo música, cozinhando e bebendo vinho. Como vocês fazem isso sem ter alguém pra partilhar?

- Acho que a gente se basta, dona Neide. É só isso. Um faz companhia pro outro e não precisamos de muito mais que isso. Crianças serão benvindas, quando for o momento certo. Cães serão ótimas companhias, quando quisermos ter outra companhia. E nossas famílias, bem... nossas famílias estão sempre por aqui. Mas acho que a resposta mais direta para a senhora é só mesmo essa: a gente se basta, se completa e assim tá muito bom. Não precisamos de uma vida tão cheia e tão completa. Pelo menos não no sentido que a senhora diz. Não com essas coisas que a senhora considera importantes.

Ela murchou e começou a chorar. Chorava como há muito tempo não via ninguém chorando. Soluços doloridos, um choro raivoso. Clarinha ofereceu sua taça de vinho. Ela recusou, virou as costas e saiu andando. Um pouco mais à frente virou-se, balançou a cabeça e pediu desculpas.

Uma semana depois, também já no fim de um almoço – com amigos, registre-se – veio nova batida na porta.

- Boa tarde. Vim buscar a mudança da dona Neide.

- Dona Neide? É a casa amarela. Aquela ali do outro lado da rua.

- Desculpa! A dona ligou tão aperreada que nem anotei o endereço direito. Pensei que fosse casa 12.

- Tudo bem.

- Boa tarde pro senhor. Muito obrigado.

- Por nada. Bom trabalho pra você.

Neide tinha descoberto que o marido a traía. Viu ruir toda a estrutura de boa família que ela vinha construindo. E surtou. Parece que agora está morando lá do outro lado da cidade e se consultando com um psicólogo para poder entender que é possível ser feliz sozinha. Ou com alguém que se ama.