sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Precipício


*Por Maria Carolina

Li um conto em que o personagem diz: tenho que ir para não ficar para sempre. É claro que não fui. Não coloque covardia no meu coração. Nessa história é ele quem não suporta o amor. Ele quer mulher no tempo certo: linda, cheirosa, pura, pura, pura. Mesmo que isso custe a felicidade. Acontece que o amor dele sou eu.

Eu sei porque conheço suas verdades. Lia em seus olhos quando o amor terminava. Neles há insegurança e morte. Todo seu corpo junto ao meu me dizia, mesmo longe, o que eu não podia evitar: era o mais puro e mais devasso, como deve ser, amor.

Sentia pelo cheiro e gosto. Tudo era nosso. Ele sabe disso e me lembrava como um mantra: seu cheiro, seu gosto, nosso sexo. Isso é conjunção, sei lá. Só se tem com o sexo e é algo muito difícil de encontrar. Disse isso a ele e ouvi friamente que a vida é mesmo assim.

O fato é que homens têm dificuldade em lidar com isso e mulheres têm coragem. Olha, tenho muita coragem, você sabe. Pra ter aquelas noites para sempre, renunciaria a minha vida. Teria por ele meu corpo devassado a vida inteira. Nunca iria.

O caso é que conhecendo a sua falta de cuidado com o amor, o deixei me levar devagarzinho para o despenhadeiro. Sem golpe final, me atirou lentamente. Ainda estou caindo. Todos os dias caio um pouco mais e vai ser sempre assim. Sei que nunca vou esquecer. Ele nunca vai esquecer. É involuntário.

Mas falando da vida prática, não tenho nem trinta anos. Vou ter amor de casa, quarto, cozinha, banheiro, de dividir as contas e problemas. Um amor que não tem medo do meu amor. É esse que vou levar da vida. Ainda me despencando, sei. Mas esse será.

*O Blog Alguns Momentos publica, uma vez por mês – sempre na última semana –, um texto de um amigo do blog. Tem uma história para contar? Quer escrever também? Mande seu texto para blogalgunsmomentos@gmail.com

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Ressaca


- Duda? Duda, acorda!
- Aahh! Cabeça tá doendo... JANA!??
- Oi!
- O que aconteceu? Onde eu tô?
- Calma, tá tudo bem. Você tá na minha casa. No meu quarto.
- O que aconteceu? Por que vim pra cá? Por que dormi aqui? A gente...??
- A gente ficou, Duda. Só isso. Você lembra?
- Lembro, claro. A gente se beijou. O Teta e a Luana chegaram fazendo festa, trouxeram bebida, nós dançamos, bebemos mais... e tô aqui agora...??
- Hahaha! É, foi bem isso. O problema foi o tanto que você bebeu. Passou um tanto da conta. Acho que sua cabeça tá te dizendo isso, né?
- Tá, mas por que você me trouxe pra cá? Por que não fui pra casa? Por que você não me largou com o Teta?
- Bom, eu não tive muita escolha. A Verônica chegou na festa, o Teta sumiu com ela. A Luana tava sozinha, achei até que ela ficou meio chateada, mas não entendi com quê. A gente tava ficando, tava bom, tava legal... Você disse que ia ao banheiro, demorou uns 20 minutos. Achei que você tava me dando um perdido até que o Sandro veio me chamar dizendo que você tava passando mal no banheiro...
- Vomitei?
- Muito. Aí meu pai veio me buscar, contei pra ele que você tinha dito que estava só em casa, que não ia ter ninguém pra cuidar de você e, bem, você veio dormir aqui.
- Minha nossa, que vergonha. Pelamordedeus, Jana! Com que cara eu saio desse quarto agora? Sua família tá toda aí? Que horas são?
- Meus pais acabaram de sair. Foram ao mercado comprar umas coisas pro almoço. São 10h30. Acho bom você levantar pra comer alguma coisa. E beber água.
 - Essa roupa? Cadê a minha?
- Essa é do meu pai. A sua tava toda vomitada. Nem sei cadê pra te falar a verdade. Mas acho que sua camisa nova, comprada pela mamãe, não vai mais ser a mesma.
- Meu Deus. E eu tomei banho? Deixa eu ir embora. Eu como em casa, não precisa de café... Mas aceito a água.
- Duda, calma! O pior já foi ontem. Meu pai deixou você vir, então tá tudo bem. Você tomou banho “sozinho”. Meu pai ficou na porta te vigiando pra ver se tudo corria bem. Mas não tem problema. Ele se divertiu. Sabe, como é, ne? Só eu de filha. Menina. Não costumo fazer essas extravagâncias. Ele curtiu “cuidar de um filho”. Acho até que minha mãe vai se sentir chateada se você não ficar pra almoçar.
- De jeito nenhum. Vou embora agora. Nãovouaguentardevergonhadedordecabeçadeânsiadevomito. Não necessariamente nessa ordem. Preciso das minhas roupas pra ir embora. Me ajuda a achar?
- Faz o seguinte. Levanta, vai ao banheiro, lava o rosto que eu vou ver se suas coisas estão lá em baixo.
- Vem cá. Se eu dormi aqui, onde você dormiu?
- No quarto dos meus pais. Coloquei um colchão no chão. Meu pai disse que trazer um amigo bêbado pra casa, tudo bem. Dormir no mesmo quarto que ele já era demais. Hahahha. O banheiro é ali, ó. Vai lá que vou procurar suas roupas.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Vergonha. Tudo que Duda sentia era vergonha. Tinha ficado pela primeira vez com a Jana e passado vexame.

Vergonha dele, dela, dos pais dela. Minha nossa, ele tinha dormido bêbado e vomitado na casa dela, no quarto dela, na cama dela. Ele tinha tomado banho na casa dela, no quarto dela, no banheiro dela.
Pior, podia ter falado um monte de bobagem que nem fazia ideia. Será que falou da Luana? Será que insinuou segundas intenções com a Jana? Tinha dormido na cama dela. Será que chamou ela pra deitar lá? Não lembrava de nada. 

De frente pro espelho da banheiro, molhou o rosto e a cabeça. No reflexo enxergou um sutiã. Preto. Delicado. Rendado. Pequeno. Era perfeito pros peitos da Janaína. Era um sutiã dela. A mão coçou pra pegá-lo.

Este texto faz parte da primeira tentativa deste blog de criar uma história longa e não apenas um conto. Acompanhe a continuidade dele pelo marcador #desenvolvimento