sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Teu pé esquerdo


A cena é a seguinte: pensa naquele dia chato de chuva. Já até parou de chover forte, mas continua a gotejar e as poças estão formadas por todo lado.

Você sai de casa. Decidida, firme. Mulher que sempre soube o que quis. A chuva te faz ficar ainda mais linda. Seu cabelo enrola nas pontas, tua pele ganha mais brilho pela umidade e, pelo mau tempo, você coloca aquela meia calça de fio grosso que deixa teus contornos exatos, saia, camisa e casaco. No pé, sua bota velha preferida.

Sai caminhando e, obviamente, trouxe seu guarda-chuva (você está sempre preparada pra tudo). Passo apertado, rápido, mas atento às poças no chão. Ainda assim, num descuido, ou – literalmente – num passo em falso, você pisa com o pé esquerdo na poça mais cheia do caminho.

Agora congela, pois este é o clímax da cena.

Teu pé esquerdo, aquele do calo, o que dizem ser o “pé do azar”, mas que é está do mesmo lado do seu coração. Esse pé sou eu.

Molhado, sozinho, frio e coberto por uma meia ainda mais molhada. Esse pé sou eu aqui, ó. A cena mais melancólica possível.

A tua bota. Aquela bota velha, cansada, já bem gasta. A tua bota é o nosso amor. Remendado, com o solado gasto, meio furado (e deve ser por isso que entrou tanta água).

Você sabe que precisa de uma bota nova. Você já até viu várias outras em promoção por aí. Aqui e no exterior. Mas... fica aquela coisa, né? É a SUA bota. Quase pode ser chamada como “de estimação”. Te guardou os pés por tantas vezes, esteve junto em tantas caminhadas. Não dá pra se desfazer assim, sem mais nem menos, né?

Mas você está ali. Parada no meio da rua com o pé esquerdo e bota encharcados. E a cena é esta.

Agora fica aquele clima de “aguarde as cenas do próximo capítulo” para saber se você segue em frente com pé, meia e bota molhados. Pensando que logo chega num lugar seguro e pode cuidar de secar tudo. Ou se para, tira o que não presta mais e vai embora descalça, pisando em mim – o pé esquerdo – enquanto tento me manter alinhado ao seu coração.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Sozinho


Uma pessoa que não consegue ficar sozinha é uma pessoa que não tolera sua própria companhia.

Li isso em algum lugar esses dias e imediatamente me lembrei de você. Você sempre tão necessitada de atenção. Você sempre rodeada de pessoas que nunca te deram valor, mas que te lamberam o saco para poderem usufruir de tudo que você tinha.

E era apenas uma troca, certo? Você tinha muito. Você tinha tudo. Dinheiro, status, diversão, tesão. Eles tinham tudo isso de você e você tinha a eles. Todos ali a seus pés. Pra te fazer companhia, independente de você ser um pé naquele mesmo saco que eles lambiam. Um pé no seu próprio saco.

E agora que me dei conta que era isso mesmo. Você é tão chata, mas tão chata, que nem você se suporta. E aí, precisa dos outros pra não ter que conviver com você mesma. Com seus traumas, seus medos, suas manias incompreensíveis.

Eu continuo sozinho. E feliz.