domingo, 23 de março de 2008

Ela

Mesmo com o passar do tempo ele ainda tinha, bem vivo, na memória cada detalhe de seu corpo. Cada curva, a marca de nascença na perna, a pinta no canto da boca. E ele não esquecia do toque suave, da pele macia.

Mesmo tanto tempo depois ele ainda tinha, claro como um raio de sol, a lembrança de seu cheiro. Do perfume, do xampu, do hálito, do sono. Cada qual com seus tons diferentes, mas sempre doces.

Mesmo tão distante ele ainda tinha o tom de sua voz nos ouvidos. Nas broncas, nas brigas, nas palavras doces, nos gemidos, ao telefone, ao pé do ouvido e, principalmente, nas risadas. Cada qual com seu timbre que deixavam claro suas intenções.

Mesmo depois dos anos idos, ele ainda tinha seus gestos. O toque na mão, o abraço, o arrumar o cabelo, a forma de tirar a roupa e depois colocar de novo. Cada qual com sua velocidade. Cada um com seu desejo.

Mesmo depois de passados os dias ele ainda lembrava de tudo aquilo e sabia que jamais esqueceria. Seriam aqueles - corpo, cheiro, voz, gestos - os modelos para sua vida. Seria ela a sua eterna musa. Seria aquela menina seu eterno querer.

quinta-feira, 6 de março de 2008

- Tá difícil de agüentar...

- O quê?

- Ficar assim por muito tempo. É duro, sabe? Distância, saudade... Esses telefonemas sempre duram menos do que devem. Sempre que desligo fico mais assim... triste e feliz, sorrindo e chorando.

- Eu também. Mas é assim, meu amor. Não deve durar muito. Nessas horas, imagina que eu viajei, ficarei fora durante algum tempo. O tempo necessário pra comprovar que tudo isso é pra valer. No final tudo vai dar certo.

- Mas será que é pra valer mesmo?

- Não sei se é pra valer. Ninguém nunca vai saber. Nem quando a gente estiver realmente junto. Mas, agora, é isso que eu sinto. Amo com profundidade. Amo tanto que tudo fica pequeno. Amo tanto que a tristeza da distância é bem menor que isso tudo. Sinto que vivo pra um dia isso dar certo.

- Eu também. Te amo muito e sempre. Vou sempre esperar isso acontecer. Estou aqui rezando pra que esse amor aumente. Depois de você, minha vida tornou-se nova. Tudo que eu tinha antes ficou velho. É como se nada do que passou serviu, entende? Queria ter o passado de novo pra ter você logo e certo. Porque eu...

- Só um minuto, linda. Tenho que desligar. Ligo de volta em um minuto. Te amo.

....

- Oi! Voltei.

- Pois é. Porque eu não gosto da vida que levo. Não gosto de ter você só assim, de vez em quando. Não gosto de querer te ver sem ter ou te ver sem te tocar. É muito ruim. Meu amor não permite tanta renúncia. Nunca fui acostumada a isso. Às vezes me sinto envergonhada. Vivo um amor que é, na prática, sem sentido. Nosso mundo é nosso. Isso é bom. Mas queria expandi-lo.

- Eu sei como é. Por vezes sinto isso também. Mas sei que é tudo uma questão de tempo. Tudo só precisa dar certo por algum tempo. Depois, as coisas mudarão pra melhor. Te prometo. Sempre pra melhor. Nada disso aqui ocorre por acaso. Nunca merecemos isso. Mas acontece. Quero apenas pensar que agora é o melhor momento. Você é o melhor momento.

- Que bom. É bom saber que a gente continua forte. É difícil não imaginar que isso pode acabar por quase nada. Mas já estamos assim há algum tempo. E acho que falta pouco. Vou esperar. Não quero outra coisa na vida, senão que isso aconteça.

- E vai acontecer. Pode ter certeza. Eu farei tudo como a gente combinou. Te amo muito. Você é ideal. E isso não é paixão. É amor. Não é distância que me deixa assim. Fico porque amo. Nem sei o que é isso direito, mas é a definição mais próxima pra traduzir a dimensão do que sinto.

-Ai. Não fala assim! Já fico morrendo de saudade. Quando vou poder te encontrar de novo, hein?

- Meu amor, ela chegou. Tenho que desligar. Amanhã a gente combina direitinho. Não pode demorar muito. Te amo sempre. Pensa em mim.

- Tá. Também. Beijos...

- Beijos

segunda-feira, 3 de março de 2008

Fogo

Os cabelos vermelhos como brasa iluminaram a sala. Era o perfeito contraste com o sorriso sem-graça por ter chegado atrasada e, para piorar, fazendo barulho na porta que teimava em não fechar.

Toda a sala tinha o olhar preso naqueles cabelos, menos ele. Ele percorria todo o rosto. Os traços finos do nariz, a boca que desfazia a “sem-graceza” e voltava a sua forma perfeita. Os olhos fortes, contornados de preto.

Sentada à frente dele, prendeu o cabelo em um coque e deixou a nuca à mostra. A pele clara era convidativa a um beijo. As pequenas orelhas recheadas de brincos mostravam um pouco de sua rebeldia e vaidade.

O cheiro de xampu exalava de seu cabelo e o embriagou completamente quando ela puxou a lapiseira que prendia o coque e deixou o cabelo cair novamente sobre os ombros. Pareciam fagulhas de uma fogueira.

A paixão súbita. Aquele era o mal dele. Apaixonava-se de repente e pelas menores coisas. Dessa maneira, em um mesmo dia era capar de apaixonar-se inúmeras vezes. E aquela paixão era, sem dúvida, a mais intensa que acontecera naquele dia. Forte, avassaladora e quente.

Quente como o fogo que remetia aos seus cabelos.