quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Sono

Ela não conseguia dormir. Rolava de um lado para o outro. Cobria-se sentindo frio, descobria-se com calor. Um travesseiro a mais na cabeça. Outro entre as pernas. Um copo d’água. Algumas páginas de um livro meio chato sobre a Revolução Francesa. Sessão Corujão na TV. Nada a fazia dormir.

Já fazia um mês que isso se repetia. Toda noite a mesma ladainha. Ela nem pensava mais em ir deitar-se. Dava boa noite à todos, entrava no quarto e lá ficava. Começou a escrever um diário. Sentada em sua escrivaninha, escrevia tudo o que havia feito durante o dia. Até poesia começou a escrever. Não era nenhuma Cecília Meireles, mas era a maneira de expressar seus sentimentos.

As noites passavam e mais seus sentimentos se esvaiam nas folhas do diário. E daquela forma ela começou a tentar achar o por que de sua insônia. Funcionava como uma terapia. Palavras, sensações, lembranças, tudo no papel para tentar adormecer. E mais de um mês havia se passado.

Até o dia em que ela o encontrou novamente. Meio sem jeito, sem saber como agir depois de tudo o que tinha lhes acontecido, ela deu um sorriso e acenou com a mão. Ele – parecendo ainda mais sem graça – respondeu da mesma maneira. Saíram, cada um para uma direção diferente. Andaram em círculo e, distraídos, acabaram topando um no outro.

Ele a segurou com um abraço, daqueles apertados, que a gente dá quando tem muita saudade. Ela não retribuiu. Simplesmente caiu no sono. E desta forma, ao acordar no dia seguinte com ele ao seu lado – vigiando os seus sonhos –, descobriu que o que lhe faltava para dormir era o peito dele para descansar a cabeça, seus braços lhe apertando, seu corpo lhe aquecendo e seu cheiro que trazia a calma necessária para uma noite tranqüila de sono.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Quem procura...

- Oi?
- Oi. Tudo bem?
- Tudo tranqüilo. Saudade de você.
- É mesmo?
- É. Desde aquele dia no clube eu não parei de pensar em você.
- Por isso resolveu me ligar agora?
- Foi.
- Olha, Lu, você sabe que eu ainda não engoli aquela história, né? Tudo que se passou foi foda pra mim. Aquele cara era meu conhecido e você sabia disso. Meu conhecido não. Fazia alguns dias eu andava com aquele filho da puta! E ele teve coragem de pegar minha ex.
- Desculpa, Roberto. Eu tinha bebido o dia inteiro, amor. Tu sabe que quando eu bebo lembro das coisas ruins que aconteceram com a gente e começo a fazer essas merdas. Aquilo não era eu!
- Era você sim, Luciana. Pare com isso! Eu vi com os meus olhos. Eu cheguei no clube, falei com você, achava que tava tudo bem. Quando olho pro lado, você sumiu e o Fernando também. E onde você estava? Ora... na sauna!
- Você nunca mais vai esquecer isso, né?
- Nem isso, nem esse monte de besteira que você fez nas vezes que brigamos. Você só faz merda, Luciana. Essa agora foi a pior de todas. Você acha que é fácil encontrar uma namorada de três anos com as mãos dentro da cueca de um amigo?
- Ex-namorada, Roberto.
- Que seja, porra. E se fosse eu que tivesse com a mão dentro da calcinha da Julia? O que você faria? Que droga! Você tem a mania besta de só olhar pelos seus olhos. É uma ingrata.
- Me desculpe, amor, por favor.
- Tá bom, menina. O que você quer afinal? Me liga só pra me lembrar essas porcarias?
- Não, Rô. Na verdade, eu queria te avisar uma coisa. Sei que você ficou com raiva de mim por eu ter ficado com o Fernando. Então te liguei pra dizer que... que... que...
- Que o quê, Luciana? Desembucha, sua louca!
- Que eu fiquei com o Gustavo.
- Gustavo? Que Gustavo? Não conheço nem um Gustavo.
- O seu primo.
- O quê? Sua desgraçada! Como você teve coragem? Logo o Gustavo? Puta que pariu. Eu estou rodeado de filhas da puta. Todo mundo resolveu pegar minha mulher agora. Imagina se você fosse bonita e gostosa, hein?
- Olha, Roberto. Tô fazendo um favor de te avisar. Não vem me ofender, não.
- Mas é mesmo. Você é muito oferecida. Não sei como eu passei três anos namorando contigo, sua rapariga. Devo ter levado uma dezena de chifres.
- Rapariga é a tua mãe. E tu levou um monte de chifre mesmo.
- Ah! é? Com quem, hein?
- Vamos parar com isso. Vou desligar o telefone.
- Não vai desligar, não. Diz, sua gordinha de merda. Quem foram os caras?
- Gordinha de merda é a tua vó, Roberto. Não tô te reconhecendo, cara. O quê isso? Por que tá me tratando assim?
- Com quem, Luciana? Responde!
- Que saber mesmo? Então tá. Sabe aquele dia do churrasco do teu aniversário, que eu passei mal?
- O que é que tem?
- Eu não passei mal coisa nenhuma. Tava era fingindo para encontrar com o TEU IRMÃO no quarto dele.
- O QUÊ!!!! SUA...
- Seu corno...
- QUEM?!?!?!

tu. tu. tu. tu. tu. tu. tu. tu.....

sábado, 10 de fevereiro de 2007

A decepção

Nada do que se constrói é deixado pra trás. Quando Lúcio ouviu pela primeira vez essa frase, ele acabara de comprar uma lata de molho de tomate para fazer macarrão. Saiu do mercado e deparou-se com uma garota caída. Bonita, de pele limpa e olhos sutilmente puxados, ela fazia força para se levantar e comprimia as sobrancelhas reclamando de dores no pé. Naturalmente, torcera depois de quebrar o salto. “Coisas de mulher”, pensou o rapaz.

Ao pé da loja, deu a mão à garota, pegou seus livros caídos e perguntou onde ela morava. “Muito obrigada por me ajudar. Me chamo Michele”, disse. “Ah! desculpe. Sou Lúcio. Machucou muito?”. “Não, obrigada”. “Então... você mora aqui perto?”. “Na quadra sete, atrás da padaria”. “Ora, que bom. Moro na cinco. Se quiser posso te deixar em casa”. “Não, obrigada. Ainda tenho que estudar antes de ir”, respondeu, indo embora e sorrindo. “Ok, foi um prazer”.

Tempos mais tarde, o ansioso e inseguro Lúcio chega em casa e, da sacada, avista a menina dos saltos andando em direção a quadra sete. Gritou, acenou, sorriu e perguntou em que andar ela morava. “Quarto!”, respondeu. Naquela noite, fez macarrão para reunir os amigos. Ele adorava espaguete. Nos dias seguintes, buscou aproximação com Michele e em poucas semanas estavam saindo.

Em um mês começaram a namorar. Em três se amavam e em um ano a única busca do rapaz era decifrar a garota que lhe encantara e parecia tão distante. Namoravam firme. Foi assim durante um, dois, três... No quarto ano eram praticamente casados. Dividiam as mesmas amizades, falavam e gostavam das mesmas coisas, moravam praticamente juntos, mas ainda haveria muito a se descobrir.

Nada do que se constrói é deixado pra trás, pensava Lúcio, sobretudo quando comprava molho para o macarrão que tomaria com vinho tinto. Aos 26 anos, tinha um bom trabalho, boas amizades e uma boa namorada. Ela, embora reservada e misteriosa, parecia amá-lo, mas não compartilhava com ele os mesmos planos. Tinha dificuldades em se entregar totalmente. Era formada, mas não suportava o ofício. Coisas de mulher, pensava ele.

Na sexta-feira, ele combinara em sua casa com vários amigos. Comeriam macarrão e beberiam vinho. “Vou chamar a Marisa pra me ajudar a arrumar a casa”, falou Michele. “Tudo bem”, respondeu. Marisa era a única solteira do grupo. Tinha dificuldades em arrumar namorados e todos se compadeciam com aquilo. Por isso a chamavam para as festinhas íntimas. “Vou à casa dos meus pais, depois compro o macarrão e volto”, disse.

Desceu o prédio, cruzou com Marisa no elevador, entrou no carro e ligou para os pais. Eles estavam viajando. Então só foi na padaria, comprou algumas guloseimas, o macarrão, o molho e voltou pra casa. Conversou alguns minutos com o porteiro. Como sempre, avisou da festa. Subiu, abriu a porta da sala e viu um sutiã no sofá. Estranhou a bagunça. Michele sempre fora organizada. Cruzou o corredor, entrou no seu quarto e viu sua namorada apertar fortemente os seios da amiga, preparando-o para beijá-lo. A nudez tão nítida das duas empalidecia o semblante derrotado do namorado. O que era aquilo?

Ele fora traído. Sua namorada era lésbica e parecia mais excitada do que todas as transas que tivera com ele. Tudo passava muito rápido por sua mente. Lúcio buscou a maçaneta. Equilibrou-se. Michele saiu de cima do corpo da amiga e catou o canto da cama. Ela acabara de soltar um grito fino, de espanto. Puxara o lençol para encobrir os seios e apalpou a cama duas vezes. Procurava o sutiã. Estava na sala. Calou-se, então, sem conseguir se mexer. Lúcio também. A amiga solteira havia levado a mão à testa e sussurrado um caralho! como se estivesse diante do fim do mundo. Lúcio olhou calmamente para as duas e pediu: “Vou tomar um banho. Quero que vocês se vistam e saiam da minha casa”.

Deixou as compras na cozinha e entrou no banheiro. Banhou-se com água, com lágrimas e com decepção. Seu coração batia forte. “Nada do que se constrói é deixado pra trás”, lembrava da frase que já não lhe fazia sentido. Prometeu nunca mais encontrar a sua companheira de quatro anos. E assim o fez. Às sextas-feiras, quando sai da padaria com o molho para o macarrão, pensa: “Tudo que se constrói fica pra trás”. Ele modificou a frase. Deixou-a mais segura e realista. Assim pôde se apegar sem crer em eternidade. Entendeu que, na vida, nada é pra sempre.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

A vilã arrependida

A tristeza nos olhos da menina soava como um funeral em praça pública. Sentada ao lado de uma máquina de sorvete, ela parecia uma indefesa criatura solta num mundo selvagem. Mas o show naquela noite era de rock. A máquina de sorvete nada tinha a ver com aquele clima. Ela estava apenas escorada, no aparelho e em seus pensamentos. Há pouco tinha cometido um dos grandes erros de sua vida. Mas como todos os erros da vida, só percebeu a merda depois que ela aconteceu.

Ao seu lado, acomodou-se um conhecido chamado Arrependimento. Ele é vizinho da Tristeza. De porta! Estão quase sempre juntos. Na maioria das vezes, a Tristeza vai embora primeiro que o Arrependimento. Mas, naquele momento, a menina dos olhos de mel, chamada Melissa, sentia a presença do arrependimento e isso lhe causava enorme tristeza.

O fato que levou Mel a esse estágio de reflexão foi sua imatura vontade de viver bem rapidamente tudo que tinha a sua volta. Ela, uma garota de 24 anos, namorou dos 16 aos 24 com dois rapazes diferentes. O primeiro durou quatro anos. Nunca aproveitou a plenitude de sua “solteirice”, embora tivesse aproveitado bastante enquanto tinha um namorado. Mas, antes daquele show de rock, ela admirava a vida das amigas solteiras. Gostava da maneira como se sentiam livres e queria ser igual a elas.

Uma semana antes, esses efeitos foram sentidos no seu relacionamento. Foi se distanciando de André, com quem namorava há dois anos e meio. Em uma semana, estava decidida a acabar. Queria mesmo era ficar só. Tomou a decisão e avisou ao namorado. Decretou sua solteirice numa quinta-feira. Saiu na sexta e saiu no sábado. No show de rock, bebeu demais. Sentiu vontade de ficar com um “carinha” qualquer e ficou. Sem compromisso, só para testar a liberdade.

Mas ela não esperava que André passasse, acompanhado de seus amigos de sempre, e presenciasse aquele beijo tão quente. Quando Mel abriu os olhos, viu que o recente ex-namorado a encarava, com um ar de tristeza, decepção, raiva, surpresa, pavor, choque... enfim. Ele estava visivelmente abalado. Ela ficou mais ainda. Como se não bastasse, reparou que o rapaz limpava os olhos com a camisa. Eram lágrimas! Ela acabara de demolir um coração.

Mel não conseguiu tirar os olhos de André por um bom tempo. Por dentro, um sentimento de pânico e uma vontade desatinada de chorar. Ela se afastou do garoto que acabara de beijar e isolou-se na sua tristeza, pensando no que fazer. Percebeu então que André se despedia dos amigos. Ele sucumbira àquela cena. Iria para casa. Tentaria se recompor.

Foi quando Mel andou rápido, quase correndo em desespero. Segurou em um dos braços de André e o rapaz parou. Não fitou seus olhos. Silenciou e aguardou qualquer comentário da ex-namorada.

- André... olha... Eu não sei o que aconteceu comigo. Isso não teve nada a ver. Eu juro... Eu não queria.

Cada vez mais, o olhar do rapaz demonstrava irritação e decepção. Ele não a encarou em nenhum momento, como se estivesse enojado. Ela prosseguiu:

- Meu amor, eu juro. Me perdoa. Eu não sou assim. Você sabe. Não fica assim comigo. Vamos conversar.

André a interrompeu, olhou bem fundo nos seus olhos e começou a falar.

- Melissa, eu quero que você lembre de tudo que eu fiz por você, por nós dois, e se arrependa. Eu nunca quis te deixar. Você me deixou e parecia bem decidida. Agora, eu percebo o quanto imatura e desorientada você está. Você quer saber se eu te perdôo? Claro que eu te perdôo. Mas não quero você nunca mais. Nossa história acabou de vez hoje. Não me procure de maneira nenhuma. Você não merece o amor que tenho por você.

Depois da última palavra, André virou a cara e foi embora. Mel deu quatro passos e sentou numa cadeira com um pé meio quebrado. Ao lado, uma máquina de sorvete. De cabeça baixa, colocou a mão no rosto e começou a chora, chorar e chorar. André não era maleável, jamais voltaria para ela, pensava a menina. Quem passava pela máquina de sorvete imaginava o que de tão terrível poderia ter acontecido com aquela moça com seus 24 anos aparentes.

Mel perdeu um amor por um estranho. Mas ela só quis viver bem sua mocidade. Que pena, encontrou a maneira errada. Acabou virando uma vilã arrependida e triste.

Eles pensam que sabem de tudo.
Pura inconsciência!
Tim Maia