sexta-feira, 31 de maio de 2013

Eai cutuco ou não cutuco*


*Por Reinaldo Dimon

- Pow Gui, tem certeza que vale a pena cutucar? Sei não, acho que não vale a pena.
- Por que todo esse medo, criatura? Nunca cutucou ninguém?
- Ahh sei lá, vai que ele não retribui. Vou me sentir um idiota.
- E quem falou que cutucar quer dizer retribuir? Não surta. Anda logo!
- Nahh amigo, você não entende. A partir do momento que ele cutucar de volta vou criar um mundo perfeito aqui dentro. Vamos conversar, ele vai falar da vida dele, eu da minha. Vamos marcar um café, ou cinema, vamos ficar e … ele não vai me ligar no outro dia.
- É muita paranóia mesmo! Criatura, é só um cutuque e você já está querendo um encontro? Se acalma.

.... PRONTO CUTUQUEI VOU AGUARDAR!
- E ai, ele te adicionou?
- Sim, estamos conversando já.
- Me fala mais. E aí, o que ele faz?
- 30 anos, biólogo, concursado, casa própria. VOU CASAR! 
- Marcaram encontro já?
- Sim, naquele açaí babado!
- AHASA!

- Gui ...
- Oi. E ai, como foi o primeiro encontro?
- Ele passou lá em casa e eu já estava pronto. Mas tava mega ansioso e desci. Fiquei lá embaixo e o porteiro com aquele olhar de "HOJE TEM"!
Odeio primeiros encontros. Será que to bem? Uso aquela polo ou a xadrez? Putz, que merda! Usei a xadrez. Era mais convincente, né? Afinal de contas cutuquei ele. Não dá pra passar seriedade DEPOIS DO CUTUQUE.
Carro MARAVILHOSO não lembro a marca. Sou viado, lembra? Entrei no carro: "oi" "oi, tudo bem?" "tudo e você?" "bom... tá" E aquela trilha de "hoje te pego". Ele lindo, cheiroso e sorridente, camiseta Reserva, relógio lindo, alargador na orelha, cabelo espetado. Pronto é esse o cara!
Desistimos do açaí babado. Boca roxa, gosto de terra, na pegação não dá. Partimos pra um japa. LOTADO! Meia hora esperando, meu estômago roncava alto de dar pena. Mesa ou tatame? Mesa, sentou do meu lado. Menos mal tava grilado de rolar aquele interrogatório básico "passa ou repassa".
Não como camarão, ele pediu temaki. Logo, você imagina a cena: ele rasgando um temaki na minha frente. Nada romântico. Sublimei porque, né? Sushi. Todo mundo é desastrado e meio guloso.
Ai começa aquela "eu pago". Eu disse "não, a gente divide". Na situação que me encontro, né? To VENDENDO EMPADINHA NA PORTA DA TUA CASA!
Rolou a pegação no carro. Aquela coisa vai e tal e né? Ele queria motel e eu queria balada.
Ficamos no "então tá, a gente se fala".

- Ele te ligou hoje?
- Não ... me excluiu do facebook
- Chatiado :(

*O Blog Alguns Momentos publica, uma vez por mês – sempre na última semana –, um texto de um amigo do blog. Tem uma história para contar? Quer escrever também? Mande seu texto para blogalgunsmomentos@gmail.com

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Gato


Por mais que eu tente, parece que não dá. É uma luta diária. É um esforço contínuo. E não funciona. A velha expressão de “matar um leão por dia” nunca me foi tão usada. É isso. Um leão por dia. Mas no dia seguinte, parece que há mais um milhão de leões esperando por mim lá fora.

E aí te pergunto: que raio de amor é esse? É um gato com sete vidas? Por que eu tento com todas as forças matá-lo aqui dentro de mim e quando acho que venci, que cravei a estaca no coração vem uma coisa boba e ele renasce.

Tal qual um Mum-rá, a forma decadente do que sinto por você sai das trevas e vem destruindo tudo ao menor sinal de qualquer coisa que me remonte à você. E o pior? TUDO. Tudo me remonta à você.

Quantas vidas ainda tem esse amor? Quanto tempo ainda terei que matá-lo diariamente pra que ele possa realmente morrer?

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Cálculos


Porque desde que me reconheço como alguém que se relaciona com outras pessoas, as coisas são assim. É preciso que o outro tenha algo de interessante para me oferecer.

Era o chocolate que a tia dava em troca do aperto na bochecha. “Coisa fofa da tia! Toma aqui esse bombom!” Era a metade da mesada que a irmã oferecia em troca de silêncio. “Não fala nada pra mamãe!” Era o jogo novo de megadrive que o vizinho chato deixava você jogar. “Ah, não! Agora é minha vez. O jogo é meu, você não pode zerar antes de mim!”

Depois, quando as coisas mudam na nossa cabeça, os interesses passam a ser outros, as moedas também trocam.

Aí vale que a Martinha era a mais gata do colégio. Vale que a Larissa tinha a maior bunda ou que alguém disse que a Camila deixava passar a mão nos peitos. Não importava quão chata fosse a Martinha, nem o bafo da Larissa. Tampouco a cara espinhenta da Camila. Era uma troca justa.

Mais tarde, e com mais experiência, passamos a analisar melhor. É claro que beleza continua sendo um grande atrativo. Mas além dela passamos a ver outras coisas: bom papo, vida interessante, bom humor, condição de nos proporcionar algo mais... Uma série de coisas que você viu em mim e eu vi em você. Por isso seguimos em frente.

O que me assusta agora é teu papo de não calcular mais nada. Como assim? Você vai achar alguém na rua e dizer: você agora é meu namorado! E pronto? Sem saber nada sobre a pessoa? Sem saber se o beijo é bom? Sem saber se ele sabe te fazer gozar, se ele gosta de viajar, de futebol, de vinho? Se ele sabe te ouvir e dar conselho? Se ele vai ser educado com você, com o porteiro, com sua família?

Eu não entendo, mas desejo boa sorte. Você vai precisar. Porque de duas uma: ou vai perder tempo com um monte de gente doida, ou vai eliminar um monte de gente quando perceber que não dá pra ser desse jeito que você diz. “Não quero que as coisas aconteçam de forma planejada, pensada.” Pois aí, sim, você vai ter percebido que ele beija mal. Que aquele outro usa perfume doce. E ainda tem aquele que usa camisa jeans. Pior, o outro que era lindo e fofo. Aí te comeu e virou um babaca porque só queria mesmo te comer.

Enfim, sorte. Você vai precisar.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Carta pra ele


Cara, presta atenção nisso aqui. Não me interessa se você é mais velho ou mais novo que eu. Nessa história eu sou mais velho e por isso vou te dar umas dicas.

Primeiro de tudo, manda um beijo meu pra ela. Daqueles apertados na bochecha que ela fazia cara de dor, mas, no fundo, adorava. Diz que toda manhã ainda quero dar um desses nela. E vê-la acordar naquela preguiça contagiante que, por mais que eu tivesse hora, sempre queria me aconchegar ali e ficar mais cinco minutinhos com ela.

Aliás, duas coisas importantes sobre aconchego¹ e cinco minutinhos²: 1 - esteja sempre, SEMPRE, de peito e ombro aberto. Ela se aconchega ali como ninguém, é o encaixe mais natural do mundo. 2 - se estiver disposto aos cinco minutinhos, saiba que eles serão, com ela, no mínimo meia hora.

Lembra ela de comer carne. Mesmo que seja frango ou peixe, já que ela teimou que não come carne mais. Mas lembre disso. Ela precisa de proteína animal. E tente evitar que ela coma chocolate. Ela adora, você já deve ter percebido. Mas não pode e você ainda vai criar intimidade pra poder conviver com isso. Mas não a prive. Vez em quando, compre você mesmo e ofereça a ela. Tu vai ver o sorriso mais sincero do mundo. Mas ainda vou falar dessa coisa de sorriso, calma.

Deixa eu falar mais de comida. É muito importante pra você se manter nessa vida. Cozinhe. Saiba fazer comidinhas que a deixem feliz. Não precisa ser um grande chef, não! Arroz com maxixe. Ela, simplesmente, adora isso. Aliás, arroz. Faça arroz e você já tem 80% do caminho andado. Pode servir só com tomate picadinho. Mas pique você, ela tem gastura de picar tomate. Vai entender, né? Ela prefere vinho e chocolate branco. Ela adora espumante. E fica ainda mais dengosa quando bebe.

Agora sobre o sorriso. Faça ela sorrir. Muito. E gargalhar. Ela fica linda gargalhando. Perde totalmente a compostura, a pose de menina séria e elegante. Mas quem se importa? Ela está arqueando na sua frente e quando te olha os olhos brilham. Os olhos. Nunca, jamais deixe ela desacreditar que tem os olhos claros. Não importa a situação. Ela sempre terá os olhos mais claros. Se parecerem escuros, diga que é a luz que não favorece.

Viaje. Na imaginação e na vida. Leve-a pra lugares novos. Invente histórias malucas. E se ela disser que não tem dinheiro pra ir na esquina, diz que não dá nada. Leve-a assim mesmo. Ela adora viajar. De preferência pra lugares frios onde ela vai usar aquele sobretudo vermelho. Cara, você não imagina como ela fica linda com ele. O contraste do tom caramelo do cabelo dela naquele rubro vivo do casaco é algo que você não vai ter muita chance de ver. Eu tive, mas juro que precisava de mais.

Lírios! Ela ama lírios, mas pra não cair na mesmice, vez em quando leve gérberas, orquídeas. Você não faz ideia do poder que as flores têm. Mas escreva um cartão, por favor. Escreva tudo que você puder. Não seja humilde em expressar o quanto ela é valiosa. E olha, se você ainda não sabe disso, por favor, preste mais atenção. Essa menina é a mais valiosa que existe. Cara, é sério! Não deixe de beijá-la. Profunda e apaixonadamente. Ela precisa se sentir confiante que você está para ela assim como tuas pernas te sustentam.

Quando estiver com ela numa festa, chame-a para dançar. Ela vai dizer não. Tudo bem. Mas chame, insista. Ela vai continuar dizendo que não e você deve continuar insistindo. No fim, ela vai e acaba se divertindo muito. E quando voltar pra mesa, não se importe dela querer limpá-la. Ela vai juntar todos os guardanapos e papéis de salgadinho que estiverem espalhados. Ela diz que é só pra organizar e você nem pense em criticar.

Ah! Me faz mais um favor. Diz pra ela que esses dias passou aquele filme das mulheres que assaltam um banco. Foi o primeiro que vimos juntos. Eu ainda tenho o ingresso guardado. Diz que eu pensei nela quando vi a propaganda. Pergunta se ela também lembrou de mim? Aposto que não. Mas só porque, na verdade, acho que ela não lembra do filme. Ela passou a sessão inteira esperando que eu a beijasse e eu só fiz isso quando a deixei em casa.

Falando em favor, aproveita pra dizer tudo que eu quero logo de uma vez. Diz que ainda choro quando ouço o Nando Reis cantar. Diz que o Michael Bublé perdeu toda a graça. E que ver Piratas do Caribe me causa uma depressão profunda.

Por fim, diz pra ela que eu me desespero só de pensar no que to fazendo da minha vida sem ela. Que eu entendo que ela pode ser feliz com você, ou com o próximo, mas que eu não me conformo. Fala que eu verei isso como um atalho que ela tomou no nosso percurso. Ela fugiu um pouco da rota e até que ela ache o caminho de volta eu vou tentar me segurar.

Toma todo cuidado do mundo com ela, cara. Cuida bem. Não faça ela se perder por aí. Porque perdida, ela se acha e vai ver que tem um retorno bem ali na frente. E se achando ela vai lembrar que sou eu o cara da vida dela. E aí, amigo, você perde sua vez.

Agora guarda isso. Ela tá voltando do banho e você precisa sentir o cheiro doce que ela traz lá de dentro. Ela toma banho quente e volta com a pele vermelha, mas rapidinho volta ao normal. Diz pra ela que eu morro de saudade, mas que a solidão é serena porque ainda guardo todas as lembranças. E deixa ela dormir que agora ela vai sonhar comigo.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Chovendo dentro do carro


Era incrível como acontecia sempre. Mas só dentro do carro. Tudo bem em todos os lugares. Tudo certo na frente das pessoas. Entre os amigos passava-se despercebido. Na fila do banco ninguém notava nada, tampouco no self-service na hora do almoço. Era capaz até que “quem o visse lendo o jornal na fila do pão” achasse que ele estava apaixonado.

Não que não estivesse. Sim, estava apaixonado. Continuava apaixonado. Mas aquele comportamento, aquela situação era sempre quando dava partida no motor e engatava a primeira marcha. Não acontecia em meio aos outros. E era um momento de tristeza, apesar da paixão.

Sabe aquele personagem do Maurício de Souza que vive com uma nuvem em cima da cabeça e chove o tempo todo sobre ele? Ele se transformava nesse personagem quando entrava no carro. E chovia, chovia muito. Mas não molhava a cabeça. Chovia só na face. Chovia só sua dor. Eram gotas de saudade, chuvisco de falta.

Era o único momento que ele tinha pra chorar sem parecer um fraco. Sem querer parar tudo que estava fazendo para ir até ela e dizer que não fizesse aquilo. Era só ali, dentro do carro, que ele podia chorar, mas se manter firme no trajeto que tinha sido traçado antes de sair.

Passa a segunda. Acelera e vai. Liga o limpador do pára-brisa se for preciso. Terceira. Quarta. Quinta.Chora, inunda, alaga. Mas quando chegar, para. Para e segue vivendo.