sexta-feira, 25 de março de 2011

Nossas manias

Ai, você me liga em plena madrugada achando que vou te atender. Esqueci de te dizer. Não deixei só você. Deixei também todas as manias que adquiri contigo. Era isso ou a tua lembrança a cada ato corriqueiro do dia.

Não tomo mais sorvete de menta. Não peço mais café com leite vaporizado. Voltei a comer pizza com borda de catupiri. Agora começo a leitura do jornal pelo “caderno 2”, que é pra programar o cinema, o teatro, o show ou qualquer outra coisa que eu queira fazer mais tarde. Sem essa de ficar em casa vendo novela.

Deixei de beber vodca com schweppes citrus. Voltei a tomar minha cerveja estupidamente gelada. Voltei a fazer a barba diariamente em vez de manter aquele ar desleixado. Voltei a ouvir o Roberto Carlos e não mais aquele tumtumtum seco que você gosta. E, veja você, deixei de dormir com o celular ligado. Precisava conter meu desejo de te ligar.

Só não perdi aquela mania boba de te desejar. Ainda bem que não te atendi. Ainda bem que você bateu à minha porta. Ainda bem que te recebi.

Agora levanta que teu café com leite vaporizado está pronto. E o caderno de economia está debaixo da bandeja pra tu ler. Bom dia e até mais tarde. Prometo que te trago sorvete de menta pra sobremesa do jantar. Te amo.

sábado, 19 de março de 2011

Inacreditável

“Você está, sem dúvida, na lista das pessoas mais interessantes e insanas que já conheci.” Foi assim que ela se dirigiu a mim depois de uma semana de convivência. Confesso que por alguns minutos não soube dizer se a frase, misturada ao seu constante tom ameaçador, era um elogio ou uma ofensa. Mas o longo beijo que me deu ao se aproximar, sem dúvida, deixou claro que era um elogio. Ou uma ofensa. E um beijo de piedade. Não sei. Até porque, ela me beijou e foi embora.

Era um beijo de despedida e um agradecimento pelos sete dias passados? Ou era um beijo de dó e uma certa pena pela pessoa que ela viu em mim? Capaz de nem ela saber me explicar. Mas o tempo foi todo calculado para a frase, aproximação, beijo e a entrada no táxi que a esperava. Meu “tchau, volte sempre que puder” só foi ouvido pelo gari que varria a rua naquela hora.

Depois de uma semana intensa vivida lado a lado ela simplesmente saiu de mim, assim como entrou. Num acontecimento fortuito. Numa passagem da vida que poderia passar despercebida por qualquer um. Assim como nos conhecemos na tentativa de embarcar em um táxi no aeroporto de Brasília, ela se despediu de mim antes de entrar em outro e voltar ao aeroporto. Voltar ao seu frio e solidão (imagino eu) seja lá onde ele for.

Porque não acredito que lá ela vá entrar em outro táxi já ocupado, meio sem querer. Não acredito que esse táxi terá outro passageiro tão “interessante e insano” quanto eu. Não acredito que ela vá estar sem um hotel reservado. Não acredito que a cidade não terá quartos disponíveis. Não acredito que ele vá sugerir que ela fique na casa dele. Não acredito que eles vão descobrir tantas afinidades. Não acredito que ele vá pedir uma semana de licença no trabalho para ficar com ela.

Não acredito que ela vá passar outra semana recheada de sexo, de paixão, de histórias. Não acredito que ela viverá outra semana de bons restaurantes, bons filmes, boas músicas, bom vinho. Não acredito que ela terá outra semana de bons sonhos, bons despertares e bons bate-papos no escuro do quarto.

E, principalmente, não acredito que ela tenha coragem de arrumar suas coisas, chamar um táxi e esperá-lo do lado de fora enquanto ele foi à rua buscar mais daquilo tudo de bom de antes. Não acredito que ela... eu não acredito nela. Eu não acredito. Não acredito que sou tão interessante.

Mas acredito que sou um insano por ter feito tudo isso. E acredito em amor à primeira vista.

sábado, 12 de março de 2011

Antes de dormir

De tudo o que a gente vive ao longo do dia minha parte preferida é a do escuro do quarto. Não to falando de sexo. Nem de dormir. Muito menos de silêncio.


To falando daqueles minutos que antecedem o adormecer, quando ficamos ali, deitados lado a lado, conversando. Não é que o sexo seja ruim, pelo contrário. Você sabe que, pra mim, sexo é fundamental e não estaríamos juntos há tanto tempo se não fosse bom. Meu sono também é ótimo e você, mais do que ninguém pode atestar isso. E o silêncio, bom... o silêncio tem seus momentos de valor.

Mas é que te ouvir contar sobre seu dia, entrar no teu mundo, ouvir teus lamentos sobre o trabalho, tua preocupação com a saúde do teu pai e as bobagens das tuas amigas me faz bem. Me sinto mais integrado. Sabe aquela coisa matemática de primário, dos grupos, do que pertence e não pertence; está contido e não contido? Pois é, me sinto assim, feito menino no primário descobrindo o mundo. Contido nas tuas histórias, pertencente aos teus planos.

E é ali que eu também sinto você comigo, partilhando minhas dúvidas, meus medos, minhas idéias mirabolantes de fazer 300 coisas ao mesmo tempo. E em seguida caindo na real de que não farei nem duas. É ali que me pego fazendo planos para nós dois. Aquela viagem, o restaurante que ainda não conhecemos, o espumante que está na geladeira e ainda não tomamos.

Você bem sabe: o sexo, um dia, vai acabar. Não há azulzinha que aguente. Pelo menos não pelo tempo que quero estar ao seu lado. O sono vai rarear, ou você já viu velho que durma mais que 5 horas por noite? O silêncio vai permanecer tendo seu valor nas horas certas. Mas essa conversa, seus contos, suas preocupações. Essas tenho certeza que ainda persistirão a me embalar os sonhos.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Na quarta-feira virei cinza

Eu já te observava bem antes da sexta-feira, mas só naquela noite, embriagado, com os sinos do lança-perfume tocando na cabeça, foi que tive coragem pra chegar perto de você. Você já sabia, eu era um grande covarde. Fama de franguinho que foge quando outro galo canta no terreiro. Mas ainda acredito que foi justamente por isso que te surpreendi. Entre todas as passistas daquele baile, você era a que mais chamava atenção. Teu colorido exalava. Sabia que tinha todos os olhares, do rei, do arlequim, do pierrô, do pirata, do marinheiro, do capitão, até do Clóvis Bornay. Mas não esperava a aproximação do bobo da corte. E de gracinha em gracinha eu ganhei o branco do teu sorriso.

No sábado, segui teu ritmo. Teu gingado me levou à diferentes blocos. Teu passo me fez percorrer toda a avenida. Tua ginga me fez sambar de trás pra frente. E no fim da noite teu rebolado me levou ao prazer infinito. Eu já me sentia seu. E te sentia minha. Mesmo com o rei do pandeiro a te paquerar. Mesmo com a bateria parando pra você passar. Mesmo com o mestre-sala a te fazer reverências. Eu sabia que o vermelho dos teus lábios me pertenciam.

Veio o domingo e continuei na tua cadência. Meu coração já fazia feito tamborim toc toc tum toc tum toc tum no seu ritmo. E no meio do pagode você me puxou pro canto da quadra e me transformou em reco-reco, em cuíca gemendo alto. O preto da tua pele me extasiava.

Na segunda e na terça, a gorda terça-feira de carnaval, me senti feito Rei Momo. Satisfeito com teus beijos e carícias. Mas querendo provar mais do doce que você me dava. Seria o Rei Momo mais obeso e estenderia meu reinado por infinitos carnavais pra poder comer do seu prato. Beber do teu gole. Me colorir com todas os brilhos da tua purpurina, com todas as cores dos teus paetês.

Na quarta-feira teu bloco não saiu. No meio da rua vazia, no meio da ressaca contida, entre restos de latas e cheiro de urina não ouvi teu apito a comandar a batucada do meu peito. Na quarta-feira eu virei cinza sem você.