sexta-feira, 30 de março de 2012

Eu não sou ele

*Por Diego Amorim

Eu não sou o seu pai. Não fui eu quem trai sua mãe, por mais de uma vez e com mais de uma mulher. Não fui eu quem chegou a sua casa de madrugada, bêbado, gritou com você, empurrou seu irmão e quebrou o vaso mais caro da sala de estar. Não sou eu aquele homem estúpido e, coitado, inconsequente. Aprenda isso de uma vez por todas, meu bem.

Sei que ele não é o exemplo de homem que você gostaria de ter tido em casa. Sei que ele não é o pai que você merece nem o esposo que sua mãe sempre desejou. Mas ele é ele. E eu sou eu. Não venha descontar em mim seus traumas e suas revoltas familiares. Procure um psicólogo, um pastor, um padre, cinco amigas, vá comer chocolate, ver filmes repetidos, mas não me atormente nem coloque nossa relação em risco por conta de sua raivazinha reprimida.

Alguns problemas seus serão nossos, benzinho. Mas esse, me perdoe, é problema seu, somente seu. Pare com essa nóia de me comparar com seu pai, de cuspir em mim os olhares odiosos e as palavras ácidas que você nunca teve nem terá coragem de dirigir a ele. Chega de jogar indiretas para cima de mim. Chega de viver amedrontada, de fantasiar traições que nunca cometi, de atribuir a mim um caráter duvidoso que nunca lhe transpareci.

Meu bem, sou homem. Coisa que seu pai não pareceu ser para você. Dizem por aí que as mulheres acabam – mesmo que inconscientemente – procurando parceiros parecidos com os pais. Se é verdade, não sei. Mas se for, tenho certeza de que, no nosso caso, você errou na procura. Sou bem diferente do seu pai. Você sabe disso. Só precisa se convencer.

*O Blog Alguns Momentos publica, uma vez por mês – sempre na última semana –, um texto de um amigo do blog. Tem uma história para contar? Quer escrever também? Mande seu texto para blogalgunsmomentos@gmail.com

sexta-feira, 23 de março de 2012

Preferência

Prefiro você assim. Nesses seus dias de docilidade em que você me beija e me pede pra dizer que vou estar sempre ao seu lado. Aqueles momentos quando tudo o que você busca é minha mão pra segurar, ou meu ombro pra deitar a cabeça. Teus momentos de serenidade. Quando deita ao meu lado e dorme com as pernas enroscadas nas minhas.

Gosto mais de quando você me espera nua na cama. Me deito e sinto teu corpo quente, desejoso do meu. Prefiro você assim, pedindo e mandando na mesma medida. Ouvindo e falando equilibradamente. Quando você mostra que está no controle da situação. Esses dias como hoje. E como tantos outros ao longo da nossa jornada.

Mas não vou desistir de ti por conta dos outros dias. Não vou te largar pelos teus acessos de fúria. Pelas palavras fora de contexto que entram rasgando no meu peito. Nem pela indolência. Tampouco pela ironia ou pelo cinismo. Não largo, não desisto. Pode acontecer quantas vezes for. Meu peito se regenera.

Não me importo que me ignore por três dias. Que seja monossilábica. Que só responda sim e não. Não é isso que vai me fazer desistir de você. Eu seguro, finjo que tá tudo bem e levo em frente. Porque sei que depois seus dias bons voltam. E eu, definitivamente, prefiro você assim. Nesses dias em que você liga e só quer saber se eu estou bem. Tem como responder que não?

sexta-feira, 16 de março de 2012

Quem procura nem sempre acha

- Amor, você leu a revista da semana?

- Não, por que?

- Tem uma reportagem lá muito interessante. Nos Estados Unidos quase 50% dos divórcios ocorrem após alguma descoberta na rede social.

- É mesmo?

- É. Você tem atualizado o seu Face?

- ah! Não começa. Só uso pra trabalho.

- Tem ou não?

- Uso socialmente. De vez em quando. Tenho que me relacionar com algumas pessoas.

- Sei.

Ele vai tomar banho. Ela, impressionada, pega o smartphone do marido. Abre o Facebook. O aparelho pede uma senha. Droga! Ela tenta o aniversário dele. Nada. O aniversário da filhinha. Nada. O aniversário da mão dele. Nada. Merda! E agora? Tenta a data de nascimento dela. Bingo!

Vai em frente. Pensa em desistir. Ele cantarola no banheiro. Ela não se afasta. Quer monitorar o tempo do banho. Abre o mural. Passa o olho. Mas já conhece aquilo tudo. Vai em mensagens. Zero mensagens. Nenhuma sequer. Ele apagou? Ele não recebeu?

O chuveiro desliga. Alguns segundos se passam. Ela joga o celular na cama, onde estava. Com medo. Ele abre a porta. Abraça a esposa, beija. Pega o celular e sai, só de toalha. Checa os e-mails.

O mais recente:

Lucinha84 dizia:
Pra mim também foi ótimo... Quero repetir!

Ele apaga e vai se vestir para sair com a família.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Criador e criatura

O cara que inventou o amor, definitivamente, esqueceu de “desinventar” a saudade. Digo mais: ele também esqueceu de apagar de vez aquele papo de solidão. E é por isso que eu estou aqui escrevendo essas palavras. É para você, senhor inventor do amor, que com a bela intenção de criar algo bom acabou por tornar possível vários outros monstros.

Porque não é possível que um coração tão cheio de amor quanto este que bate aqui também se condoa de saudade. Não pode, não é justo, não é honesto. É inconcebível, é inimaginável. É um ultraje. É um afronte. É um acinte. É tudo mais que você puder imaginar. Se é que você ainda consegue imaginar algo depois de ter gasto todo seu tempo criando figuras tão horrorosas.

Então, senhor Gepeto do Coração, faça-me o favor de acabar com suas criações. Faça como Frankeinstein e morra. Quem sabe assim, sua criatura maléfica não se suicida junto. Suma, desapareça, vá embora. E leve contigo essa solidão. Carregue com você, num saco preto e sem possibilidade de respiração, essa saudade. Nem que pra isso você precise levar junto o amor.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Toma, toma e... toma!

- como foi seu dia, linda?

- bem e o seu?

- cansativo. mas produtivo.

- o meu deu no mesmo.

- eu sei que você está cansada. Mas precisava te trazer aqui hoje. tenho algo importante para falar.

- sério? e o que é?

- vamos pedir alguma coisa para beber? um vinho, um prosecco?

- não. não estou muito para beber hoje. estou naqueles dias, sabe?

- sim, sim.

- eu também tenho uma coisa para falar. mas conto depois de você contar.

- não, fala logo.

- não. é uma longa conversa.

- fala, fala, fala.

- tem certeza?

- claro. fala. adoro ver você falando sério.

- sabe o que é. as coisas mudaram. eu estou confusa.

- confusa?

- isso. tenho pensado umas coisas. você sabe que eu sempre fui muito direta, né? então... tenho pensado umas coisas. tido umas vontades. algo que está me deixando muito confusa.

- o que, por exemplo?

- sabe o maurício? pois é. tenho pensando nele.

- maurício? o meu irmão? como assim?

- eu tenho pensado umas coisas.

- como assim, bruna? meu irmão é um brutamontes, lutador. nunca fez seu tipo. vem dizer que você se apaixonou por ele?

- não sei...

- não sabe? que merda... a gente namora há um ano e meio. meu irmão morava longe. agora que ele chegou, você vira isso. é assim que disse que me amava? amava uma droga.

- calma, roberto. isso pode mudar. acho que é só uma fase.

- fase. não existe fase para isso. ou você gosta ou não. e da mesma forma como você acha que pode estar apaixonada pelo meu irmão, pode se apaixonar por outro. pra mim, está tudo muito claro.

pausa...

- toma!

- o que é isso, roberto?

- o que é isso? ora, o que é isso! um anel. eu iria lhe pedir em casamento hoje. mas agora basta lhe mostrar. Garçom! a conta, por favor.

- é só uma água, senhor. não precisa se incomodar.

- a moça ainda deve ficar. eu terei de sair mais cedo. muito obrigado.

- roberto. calma. não vai agora. vamos conversar.

- conversar é uma ova. pra mim chega. estou indo...

ele levanta.. ela pede calma de novo. ele se vira, aperta o passo, para, pensa e volta.

- quer saber de um coisa?

- o que?

- meu irmão é gay.

- gay?!

- isso mesmo. GAY! e, você, passe bem...