sexta-feira, 4 de março de 2011

Na quarta-feira virei cinza

Eu já te observava bem antes da sexta-feira, mas só naquela noite, embriagado, com os sinos do lança-perfume tocando na cabeça, foi que tive coragem pra chegar perto de você. Você já sabia, eu era um grande covarde. Fama de franguinho que foge quando outro galo canta no terreiro. Mas ainda acredito que foi justamente por isso que te surpreendi. Entre todas as passistas daquele baile, você era a que mais chamava atenção. Teu colorido exalava. Sabia que tinha todos os olhares, do rei, do arlequim, do pierrô, do pirata, do marinheiro, do capitão, até do Clóvis Bornay. Mas não esperava a aproximação do bobo da corte. E de gracinha em gracinha eu ganhei o branco do teu sorriso.

No sábado, segui teu ritmo. Teu gingado me levou à diferentes blocos. Teu passo me fez percorrer toda a avenida. Tua ginga me fez sambar de trás pra frente. E no fim da noite teu rebolado me levou ao prazer infinito. Eu já me sentia seu. E te sentia minha. Mesmo com o rei do pandeiro a te paquerar. Mesmo com a bateria parando pra você passar. Mesmo com o mestre-sala a te fazer reverências. Eu sabia que o vermelho dos teus lábios me pertenciam.

Veio o domingo e continuei na tua cadência. Meu coração já fazia feito tamborim toc toc tum toc tum toc tum no seu ritmo. E no meio do pagode você me puxou pro canto da quadra e me transformou em reco-reco, em cuíca gemendo alto. O preto da tua pele me extasiava.

Na segunda e na terça, a gorda terça-feira de carnaval, me senti feito Rei Momo. Satisfeito com teus beijos e carícias. Mas querendo provar mais do doce que você me dava. Seria o Rei Momo mais obeso e estenderia meu reinado por infinitos carnavais pra poder comer do seu prato. Beber do teu gole. Me colorir com todas os brilhos da tua purpurina, com todas as cores dos teus paetês.

Na quarta-feira teu bloco não saiu. No meio da rua vazia, no meio da ressaca contida, entre restos de latas e cheiro de urina não ouvi teu apito a comandar a batucada do meu peito. Na quarta-feira eu virei cinza sem você.

4 comentários:

  1. Sucesso de carnaval. Deveria virar samba-enredo.

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  2. Leandro Azevedo4/3/11 22:54

    Curti!

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  3. Pauloooooooooooo Mesquitaaa

    PQP!

    Sou seu fã demais!
    Adoro como seus personagens se comportam cheios de mistério e lucidez.
    Concordo plenamente com o o Rafa Almeida.
    Vale ceder a licença poética pra um escola de samba!

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  4. Maior orgulho de ser amigo de gente que escreve assim. Abração.

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