A cena é a seguinte: pensa naquele dia chato de
chuva. Já até parou de chover forte, mas continua a gotejar e as poças estão
formadas por todo lado.
Você sai de casa. Decidida, firme. Mulher que
sempre soube o que quis. A chuva te faz ficar ainda mais linda. Seu cabelo
enrola nas pontas, tua pele ganha mais brilho pela umidade e, pelo mau tempo,
você coloca aquela meia calça de fio grosso que deixa teus contornos exatos,
saia, camisa e casaco. No pé, sua bota velha preferida.
Sai caminhando e, obviamente, trouxe seu
guarda-chuva (você está sempre preparada pra tudo). Passo apertado, rápido, mas
atento às poças no chão. Ainda assim, num descuido, ou – literalmente – num passo
em falso, você pisa com o pé esquerdo na poça mais cheia do caminho.
Agora congela, pois este é o clímax da cena.
Teu pé esquerdo, aquele do calo, o que dizem
ser o “pé do azar”, mas que é está do mesmo lado do seu coração. Esse pé sou
eu.
Molhado, sozinho, frio e coberto por uma meia
ainda mais molhada. Esse pé sou eu aqui, ó. A cena mais melancólica possível.
A tua bota. Aquela bota velha, cansada, já bem
gasta. A tua bota é o nosso amor. Remendado, com o solado gasto, meio furado (e
deve ser por isso que entrou tanta água).
Você sabe que precisa de uma bota nova. Você já
até viu várias outras em promoção por aí. Aqui e no exterior. Mas... fica
aquela coisa, né? É a SUA bota. Quase pode ser chamada como “de estimação”. Te
guardou os pés por tantas vezes, esteve junto em tantas caminhadas. Não dá pra
se desfazer assim, sem mais nem menos, né?
Mas você está ali. Parada no meio da rua com o
pé esquerdo e bota encharcados. E a cena é esta.
Agora fica aquele clima de “aguarde as cenas do
próximo capítulo” para saber se você segue em frente com pé, meia e bota
molhados. Pensando que logo chega num lugar seguro e pode cuidar de secar tudo.
Ou se para, tira o que não presta mais e vai embora descalça, pisando em mim –
o pé esquerdo – enquanto tento me manter alinhado ao seu coração.