quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Doeu

No fogo ou na água, o amor que queimava aquela moça era sempre algo interessante de se admirar. Conservava uma cara de paisagem. O mundo da lua lhe visitava sem que ela tirasse os pés do chão ou movesse os olhos ao redor, para olhar o movimento dos carros, dos pássaros, das pessoas que ali sorriam, choravam e amavam.

Nada atraía a doce e romântica-jovem-dos-cabelos-loiros mais que o seu amado. Às 18h, sempre, sentava num banco, ao lado de uma ávore esculhambada pela seca e esperava. Minutos depois, saía de lá. Mãos dadas, passos sincronizados, sorriso no rosto e uma alma leve, como formando em dia de colação.

O coração que agora ardia, ardia pelo tanto que já doeu. Aquela pequena nunca encontrara alguém que prestasse. Que a tratasse com dignidade e lhe desse esperança de que dali sairia um lance que a fizesse bater aos mãos para os pais e dizer que agora cuidaria da sua vida. Via naquele bom homem um ser notadamente ideal. Ele concordava e respondia com mais amor.

O problema é que amor demais por vezes ultrapassa a perigosa linha que separa a razão romântica da obsessão. No começo, tudo era lindo. Do meio pro fim, nem tanto. As crises de ciúmes que ele deflagrava corroíam o sentimento, embora nunca questionassem a validade daquela relação. Amar, para aquela menina loira, de olhos azuis e traços mal feitos, importava, até debaixo de crises.

Mas com um tempo tudo foi mudando. Ele tornou-se agressivo. A fez mudar de banco, porque, onde geralmente o esperava, passavam rapazes da faculdade abanando a mão ou parando pra trocar uma idéia qualquer. Um dia, chegou e a viu ao lado de um amigo. Ambos procuravam um livro dentro da mochila, de pé, em frente ao tal banco. O namorado obcecado não pensou duas vezes. Partiu pra cima do jovem e quebrou-lhe dois dentes com um soco certeiro que rasgou seu punho.

Mostras como essa são até simples perto de todas as maledicências que já cometera com a namorada. Quando completaram dois anos, ela decidiu que não aguentaria viver mais um dia naquele inferno. Agora, ardia no fogo da angústia, do medo e da impotência.

Então chegaram em casa numa noite qualquer e ela chamou o rapaz para sentar e explicou a situação. Ao final, pediu que fosse embora para nunca mais voltar. Ele sequer se ajoelhou para implorar perdão e dizer que mudaria. Afinal, já fizera isso umas três vezes e não moveu uma palha após o perdão. Então, fechou a cara com uma tristeza que surgiu de dentro do peito e foi embora.

Mas voltou no outro dia, para ser mal recebido e outra vez rejeitado. No segundo dia também apareceu e passou a vir todas as tardes. Foi renegado em todas as ocasiões. Desistiu e, no décimo dia, sequestrou a menina na saída da faculdade. Colocou-a dentro de um carro e a levou pra longe.

Parou num terreno qualquer, jogou-a no chão e começou a desfiar xingamentos enquanto tirava o cinto para baixar as calças. Depois do último tapa, que sujou sua mão com o sangue da boca e nariz da ex-namorada, deitou por cima dela, abriu suas pernas e penetrou com uma violência que até então não combinava com a peculiar delicadeza. Ficaram ali, os dois, por uns 10 minutos. Ela desmaiou. Ele foi embora, mas deixou um bilhete: “Para não me ver nunca mais, basta ficar calada”.

Momentos depois, o garoto da mochila encontra a amiga jogada no chão. Ele a havia seguido, porque viu um homem encapuzado, de carro estranho, levá-la de perto da faculdade. Ele se aproxima e pergunta, assustado: “Quem foi? Quem foi?”. Ela amassa o bilhete rapidamente, esconde na palma e responde: “Não sei. Ele não tirou o capuz”. O rapaz insiste em levá-la para o hospital. As sirenes da polícia estão cada vez mais próximas, atendendo ao chamado do colega. “Não! Me leve pra casa. Eu só quer ir pra casa”. E os dois, se escondendo da polícia, partiram em silêncio. Ela, de cabeça baixa, via as lágrimas pingarem o chão e sentia a certeza de que jamais amaria alguém.

4 comentários:

  1. É Pedenrique, o limite entre paixão e obsessão é realmente perigoso. Quem não se cuida está sujeito a isso...

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  2. Anônimo6/9/07 13:03

    poxa Toty...
    q texto triste!
    acho q prefiro até a morte!!!
    bjsssssssss

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  3. Coca-cola, vc me deixa de boca aberta!
    Anota aí o telefone de uma terapeuta!

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  4. Já li textos com finais mais felizes aqui...

    Mas de fato estamos sujeitos a coisas assim, e pensar isso nunca aconteceria é pura inicencia...

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