terça-feira, 4 de dezembro de 2007

O lago

Um cigarro era tudo que ele tinha. Passara a noite fora. Consertara o retrovisor do carro, bebera feito um louco e agora tentava voltar pra casa. Estava bêbado. Bêbado como um palhaço bêbado. O som do carro estava quebrado. A cabeça sem criatividade. Não cantava nada. Só tinha um cigarro. Ascendeu.

Passou por uma ponte, olhou para o lago e lembrou. Há três meses, naquela mesma hora, saia de uma cachoeira, também bêbado, e parava na beira do lago. Ele e ela. Ela e ele. Os dois, juntos, amados, apaixonados. Tirou-lhe a roupa e cravou a mão direita acima da cintura daquela pele lisa, branca e vermelha ao mesmo tempo. Apertava e pensava: amo, amo, amo. Mil! Vezes! Amo!

Estavam ali porque namoravam e viajavam só pra viver esse amor. Com perfeição. Naquela manhã, só os dois, expulsaram a roupa do corpo e fizeram amor enlouquecedor na terra úmida. Um amor ardente. Tão intenso que ambos tremiam, lágrimas caiam dos olhos. Tudo era pura felicidade e paixão.

Voltou a si. Já ultrapassara a ponte e mal conseguia segurar a última cerveja. Só pensava nela. Pegou o telefone. Discou, mas errou o número. Pensou em desistir. Jogou o telefone no banco do passageiro e continuou o caminho. Dali a dez minutos estaria em casa.

Não era a primeira vez que fazia aquilo. Já ligara outras vezes. Todas de madrugada. Mas lhe faltavam palavras para falar qualquer coisa. Quando ouvia a voz dela, tudo parava. As mãos, os pés, a mente, a boca. Tudo. Nada saia de lugar algum. Então, ouvia um alô prosseguido de um timbre impaciente, que reclamava com curiosidade raivosa:

- Alô? Alô? O que é que você quer, hein? Por que não me deixa em paz? Não te devo nada! Devo nada a ninguém. Você por acaso é algum psicopata? Está tendo prazer com isso seu desgraçado? Larga esse telefone! Vira gente! Fala alguma coisa!

Aquele discurso era gozado. Ele entendia muito bem a reação. Era raiva, propositalmente, para não ser amor. Estavam separados há meses. Ele nunca a esquecera e ela... não se sabe. Mas aquela impaciência, para ele, soava como ansiedade. Ela também sofria, pensava ele, bem lá no fundo.

Continuou a dirigir após um sorriso no canto da boca. Ele adora aquele jeito impaciente, impulsivo e objetivo. Pegou o telefone outra vez. Decidiu que agora seria diferente. Jogou a garrafa de cerveja fora. Discou. O telefone deu a primeira chamada. A segunda. A terceira. Ela atendeu:

- Alô?

Silêncio...

- Olha aqui. A partir de amanhã meu telefone estará cortado. Vou mudar de número e colocar um bina aqui. Quero ver você continuar ligando! Seu louco! Maldito! Me deixa em paz! Ou então se mostra logo... covarde!

Ele sorriu de novo. Mas decidiu que daquela vez falaria. E falou.

- Desculpa. Eu te amo!

Foi tudo que conseguiu. Desligou. Sentiu uma leveza no peito. Tanta, que ele fez o retorno com o carro, parou num posto, comprou outra cerveja e tomou toda, escutando rádio e lembrando da beira do lago.

*Inspirado no post “Telefonema”, logo aqui embaixo.

5 comentários:

  1. Até que fim postou. Todo dia vinha por aqui. Agora não sou só leitora assídua, sou freguesa, daquelas de botequim e bem viciada, estou gostando da turminha toda.
    Esperava até comentários da viagem, quem sabe fotos...
    Eita! turminha inteligente e q. escreve bem.
    parabéns!

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  2. oi, o anônimo no texto "A Carta", sou eu. Não sei pq não me identifiquei. Ou até sei. Coisas do dia.
    mais uma vez parabéns. Sucesso!

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  3. Boooaaaaa pedenriqueeee!!!
    Adorei ser sua inspiração!
    AuhauAHuAhAUhaUhauAHuahAUA

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  4. eita paulinho estamos em todos.até o próximo
    bjs

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  5. Anônimo4/3/08 09:35

    É muito bom ler textos interessantes, leves, comicos e sensíveis.
    Passarei sempre por aqui p uma boa leitura.
    Parabéns a todos vcs que escrevem .
    Beijos.
    Lílian

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