Depois que saía da escola, Neto, de 10 anos, descia o prédio com o irmão Thiago. Os dois iam para o gramado em frente à garagem. Gostavam de jogar bolinha de gude. Por vezes, Neto se irritava com as roubalheiras do irmão mais velho, de 12 anos. Ficava deprimido, chorava. Voltava para casa sempre tristonho. Mas nunca falava para a mãe o que acontecera.
Numa quarta-feira, ele repetiu o ritual. Mas, dessa vez, mudou de postura. Enfrentou o irmão. Os dois brigaram, rolaram no chão. Neto voltou pra casa com o canto da boca sangrando. A mãe bateu em Thiago. Neto sentiu-se livre. Espantou a submissão, embora estivesse triste por ouvir os gritos do seu irmão enquanto a mãe lhe desferia umas cintadas de correção.
Todas as noites ele perdia horas na frente da TV. Aos 10 anos, odiava desenhos animados. Preferia imagens de perseguição, programas sobre domadores de cobra, recordes dos Guinness Book e outras coisas que lhe ativavam a adrenalina do corpo. Tinha a mania de testar o que via na telinha. Desconhecia a frase: “Crianças, não façam isso em casa. É perigoso”.
Certa vez viu um camarada que enchia a boca de querosene e soltava fogo. Fascinado, Neto procurou o produto para repetir o feito. Não encontrou. Colocou álcool na boca. Como ardia muito, misturou-o a um pouco de água. Enrolou um jornal como se fizesse uma tocha e, quando ia levá-la para perto da boca, Thiago o impediu de “cuspir (ou engolir) fogo”, embora não tivesse a menor idéia do que o irmão mais novo fazia.
Porém, nessa quarta-feira, Thiago chorava no banheiro. Não queria nem papo com o irmão. Neto, nem um pouco preocupado com ele, assistiu a TV e ficou chocado com as cenas da morte do ex-ditador Saddam Hussein gravadas de um celular. Aquele enforcamento, os gritos, o aspecto sereno daquele homem barbudo lhe inspiravam naturalidade. O momento em que ele perdia o chão e ficava dependurado por uma corda, balançando levemente, fizeram o menino piscar duas vezes, assustado. Ele desligou a televisão e foi para o quarto.
Seu irmão, dono da cama de cima do beliche, ainda continuava no banheiro. Provavelmente chorando. Neto deitou. Mas a cena do barbudo lhe inquietava. Sem sono e sem ter o que fazer, ele resolveu tentar repetir o feito. Enrolou uma ponta do pula-corda na parte de cima da cama,a outra no pescoço e se jogou do beliche. Nem um gritou ressoou. O garoto morreu sem saber o que fazia. Morreu sem causa. Dessa vez, o irmão não estava lá para salvá-lo.
*Este texto é inspirado em uma história real.
O fato é triste e preocupante. Mas o texto é rodriguiano.. muito bom!! O blog está cada vez melhor... continuem com tudo Toty, Paulinho e Felipe!
ResponderExcluirabraço
A história é realmente triste predoca..
ResponderExcluirEste comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluirToty Freire texto sinistro esse hein??? Acho que vocês devem escrever textos com um astral melhor. Mas está muito bom!
ResponderExcluirAbraço pra vocês