A morte se anunciava antes mesmo que ele pudesse levar a mão direita à cintura dela. Fingiu um acidente. Mas acabou despertando o interesse de meio mundo de curiosos que naquela sala estavam. A desconfiança se fez presente não porque aquele homem era por inteiro um atravessador de casamentos. Tinha até um nobre estilo. Andava bem aprumado, discurso alinhado e educação de granfino. Mas, por seu andar de malandro, era o mais comentado no cafezinho da repartição. Sobretudo por homens casados, que a todo custo queriam encher-lhe a cara de bolachas.
A sorte de Lúcio da Anunciação era que Maria Joaquina, a moça da cintura dura e rebolosa, não estava nem perto do marido. O homem, trabalhador, andava pelo outro lado da cidade. Mexia com corretagem e vivia rondando clientes que, achava ele, tinham dinheiro. Mesmo assim, às 18h10, sempre ao final do expediente, lá estava ele, de olhos esbugalhados, olhando ao redor com semblante de general, pegando os braços da mulher e subindo no ônibus.
Lúcio da Anunciação via sempre aquela cena com sarcasmo. Comentava pelos corredores: “Homem bravo é homem corno!”. Talvez no fundo de seu sentido adivinhava que aquele senhor de quarenta anos – e que ganhava mais 10 com o olhar alheio – desconfiava da mulher dia e noite. Principalmente no final da tarde, quando aquele contínuo atravessava seu caminho na saída da repartição, como se viesse do mesmo canto que sua esposa.
O pior é que de onde surgia ela, surgia ele. Naquele departamento de pouco mais de 20 funcionários, o grupo resolveu acabar o expediente 20 minutos antes do normal. Por isso, às 17h40 todos tomavam o rumo de casa. Exceto Lúcio e Joaquina. Estes fingiam que dobravam a esquina, mas voltavam para as dependências da repartição. Vazio, o lugar provocava-lhes arrepios na espinha. E quando se tocavam, as abotoaduras pareciam ganhar vida e libertavam justo o que deveriam prender.
Passavam, então, os dois, sozinhos, vinte minutos sobre uma mesa a trocar de posição num frenetismo sexual que Joaquina jamais sonhara em ter com seu marido gordo, malvado e trabalhador. Eram momentos sublimes. Ele cada vez mais apaixonado por sua cintura, agarrava-a com força como se quisesse vê-la pelas costas o resto da vida. Ela respirava forte e liberava gemidos de pavor espaçados. Estava assustada e realizada por ser vítima de um domínio tão pleno. Faziam isso todo dia.
Até que o destino trocou de lado e resolveu cutucar a onça do marido, que andava desconfiado com o fogo da mulher nas noites em que brincavam juntos. A culpa foi de Marlene. Ela fazia cópias de documentos e passava o dia inteiro no meio da repartição. Todos a conheciam, porque todos a viam. Ela, faladeira, gostava de investigar a vida de quem ali trabalhava. E achou de tocaiar o casal fogoso que andava se roçando no meio do departamento. Foi quando atrasou na saída e, de dentro do banheiro, viu tudo que a mesa testemunhava há meses e não podia divulgar.
No dia seguinte, saiu mais cedo. Parou o marido de Joaquina na esquina e avisou: “Venha aqui às 17h40. Verás que tua mulher não te merece”. Aquela informação de uma conhecida poderia nascer sem valor. Mas ele andava desconfiado. Armou-se, foi trabalhar e depois rumou em direção ao serviço da mulher. Saiu às cinco horas. Não queria se atrasar.
Naquela tarde, na repartição, houve comemoração no cafezinho. Era aniversário de alguém e os colegas se reuniram para o parabéns. Foi quando Lúcio da Anunciação roçou a mão na cintura de Joaquina. Ela fingiu não sentir, mas todos perceberam. Nesse momento, Marlene percebeu que a morte já se anunciava antes mesmo que ele pudesse levar a mão direita à cintura dela.
A cambada de gente foi embora às 17h40 em ponto. A copiadora também. Lúcio e Joaquina idem. Mas logo voltaram. Estavam bem dispostos nesse dia. Ele ainda conseguiu acariciar sua cintura e levar sua mão para entre as pernas da mulher. Mas logo o marido entra na sala. Ao lado, a futriqueira, com cara de satisfação por delatar os pombos que clamaram por aventuras sexuais.
Ele tira a arma da cintura e embarga a voz. Chorou. Sentia ódio. Cegava de ódio. Com o trabuco em sua direção, a mulher implorava para que não o matassem. Ele gritou apenas “Corram!”. Mas o casal não entendeu. Então, soltou outro berro: “Corram, seus desgraçados!”. Os dois zilaram de mãos dadas, atravessaram a porta e sumiram. Nunca estiveram tão juntos um do outro.
Quando não estavam mais às vistas do marido traído, este vira para a fazedora de cópias, pousa o cano da arma no meio da sua testa e diz: “Se ficares calada, estragarás poucas vidas”. Puxou o gatilho. O tiro certeiro arrebentou-lhe a cabeça e ela se calou para sempre. Mas, antes que Marlene caísse inerte, Joca, o Marido, enfiou a arma na boca e acabou com o serviço. Matou-se. Morreu carregando o peso de saber demais.
Porra...quero saber de mais nada!!
ResponderExcluirtambém não quero não!!!!!!
ResponderExcluirEITA!
ResponderExcluirEsse merece até um comentário!
Tá bom mesmo!
Parabéns Coca-cola!
Eu sempre soube que vc "dava pra coisa"!
No outro texto, a parte "E seguia à risca o corte do David Beckham. Por isso, mudava sempre de cabelo." foi sensacional!!!
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
beijinhos
Pode crer totinho. Um tanto trágico mas me prendeu do começo ao fim, dá pra ver um estilo já estabelecido nas suas poéticas palavras.
ResponderExcluirO corno devia ter comido a copiadora! Fico imaginando, ela era feia não? Mulher bonita não tem tempo pra fazer esse tipo de coisa.
:) abçs
Muito bom o texto... Fiquei tenso com o final!!! Imaginei que mataria a mulher. Mas é isso, vai saber o que se passa na cabeça do corno... hehehe
ResponderExcluirAbração
Também gostei da história! Mas esse fim é muito trágico. Gosto de histórias com finais felizes. Se é que elas são tão interessantes quanto o contrário... Bjo
ResponderExcluir