domingo, 22 de julho de 2007

Uma lição

Deu tudo errado. Ela gostava dele. Ele gostava dela. Até ai tudo bem. Mas os dois andavam um pouco avoados. Quase não se tocavam. O “eu te amo” já não tinha entusiasmo. Era tudo automático. Faziam as mesmas coisas sempre. Ele chegava lá no mesmo horário. Ela ligava a televisão. Sentavam. Ele fazia uma gracinha, conversava um pouco com a sogra. Os dois viam TV e quando a primeira chamada do Jornal da Globo surgia, o cara chispava fora. Ela se despedia com cara de sono e ia dormir.

Nas noites em que arriscavam uma saída, iam comer uma besteirinha na esquina. E só. Namoravam há quatro anos. Eram jovens, por incrível que pareça. Ele tinha 22 e ela 20. Quase nenhuma diferença de idade. Na verdade, eram iguais na monotonia. E ambos, bem no fundo, não gostavam disso. Preferiam os velhos tempos: noitadas, viagens com amigos pra uma praia bonita, bebida, alegria, pegação. Mas, agora, estavam ali. Um na frente do outro, mergulhados numa mesmice profunda.

O pior é que Lúcio e Ana se acostumaram com essa vida. Nem arriscavam mais sair. Tinham poucos amigos. Ainda assim, a conversa não fluía muito bem. Estavam inócuos para tudo. Ela até deu uma engordadinha. Mas continuava bonita. Morena, olhos esverdeados, voz aveludada e calma, pernas musculosas. Era baixa, mas nem tanto. Com um salto, conseguia enganar um produtor de moda.

E ele, que um dia foi sarado, começou a colecionar uns quilinhos depois que passou a estudar pra concurso. Mas também tinha pinta de modelo. Era branco, cabelos pretos, lisos. E seguia à risca o corte do David Beckham. Por isso, mudava sempre de cabelo. Os amigos achavam a mania um troço pra lá de esquisito, o chamavam de viado a torto e a direito. Mas ele gostava, paciência.

Só não gostou quando Ana ficou estranha demais. Falava pouco. Parecia não ter tanta paciência com ele. Inventava umas dores de cabeça nos dias que ele acenava com as visitas de rotina, nas quais eram engolidos pela grade de programação da Globo. Percebeu que ela passou a esconder sempre o celular. Às vezes, fingia que esquecia.

Ele notou tudo. Até que resolveu lhe fazer uma visita surpresa. Entrou na casa dela, foi para cozinha e ficaram os dois por lá, papeando. Quando chegou uma mensagem no telefone dela, perguntou quem era. Ela disse que era o personal trainer da mãe, que tinha ficado de ligar. Mas ai chega outro recado: “Foi mal. É que as vezes me exagero, mas não consigo para de pensar em você. Beijos, minha paquera”, dizia a mensagem.

Ele enlouqueceu e ela tratou de negar tudo. Disse que o menino estava louco, que era da turma dela, mas tinha confundido tudo. Inventou, mentiu, chorou. Mas admitiu que a primeira mensagem era dele e ela viu e apagou sem que o namorado percebesse. Ele pôs a mão na consciência, mandou ela pra puta que pariu e foi embora. Chorou, pensou, esperou uns dois dias e resolveu conversar. Lúcio não era o namorado que ela necessitava, mas gostava muito da menina. Isso a comovia. Conversaram e decidiram dar um tempinho básico.

O tempo durou duas semanas. Lúcio resolveu ligar pra saber como andavam as coisas. Ana disse que estava muuuuito bem e revelou: tinha ficado com outro e estava gostando. Achava melhor eles acabarem tudo de uma vez. Ele alucinou um pouco e depois desligou o telefone, antes de ser tomado pela sensação de que havia feito tudo errado. E fez mesmo.

Perdeu seu amor porque esqueceu de dar emoção à sua relação. Achou que o tempo segurava tudo e acabou perdendo a gatinha pro primeiro mané que apareceu. Depois, soube que ela e o novo amor viviam em farras, viajavam pra lá e pra cá e abusavam de shows de axé – coisa que ele odeia. Ela estava feliz. O rapaz conseguia fazer o que ele nem pensou em fazer. Percebeu, então, que namoro só é bem firme quando se faz uma coisa diferente a cada dia. Senão, vai sempre dar tudo errado.

6 comentários:

  1. Voltou inspirado... gostei da historinha de usar fotos!
    Parabéns Pedenrique!!

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  2. Muito boa a história!
    Relacionamentos são sempre complicados né?
    Ai ai...

    Beijos

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  3. Amei a história! Rotina acaba mesmo com qq relacionamento...

    beijos

    Mari

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  4. É isso aí Toty Freire....
    profunda a história.
    mas a rotina é complicada mesmo. pra um casal ser feliz tem q variar e sair da rotina

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  5. Cara, isso é muito real!! Relacionamentos rotineiros, além de acabarem, acabam com a gente.

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  6. Tu não pára de me surpreender, Pedro Henrique! Surfista, jornalista, compositor, pegador-mor de São Luís e, como se não bastasse, agora escreve contos. Tem alguma coisa que tu não saiba fazer? Abraço grande, meu velho, parabéns e saudades. Ficou ótimo!

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