sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Furacão


*Por Maria Carolina

Ela decidiu subitamente, como tantas outras vezes. O caso é que eu já estava acostumado. Brincava com sua rebeldia, esperava uns dois ou três dias para a bravura passar e retornava a encantá-la com sutileza, a ver seu amor se abrir.

Bastavam dois sins, um elogio à sua inteligência e esperar. Coisa de vinte linhas de conversa e ela retornava como um gato. Tenho saudades. E soltava a dizer as mais deliciosas vulgaridades. A mim bastava concordar e entrar naquele diálogo doido que ela conduzia com calor e precisão. Como no sexo, ela sabia o exato momento de disparar a mentira clímax que me levaria ao delírio. Depois ia diminuindo a gradação com muita sobriedade, com a educação de quem não se retira após recolher a mesa, lavar as louças e despedir-se dos donos da casa.

O caso é que uma relação nesses termos entorpece qualquer homem de vaidade. Estava satisfeito aos meus trinta e poucos anos. Ela dizia o mesmo: seu desejo me basta. Eu, como sabe, não  sou dado a sentimentalismos, mas era impossível não sentir  a vaidade brotando dos seus olhinhos castanhos ao escutar tudo que eu tinha a dizer. Ela me olhava fundo. A partir do olhar, me sentia invadido por uma sensação esquisita. E era de uma força... O que posso dizer, no fim das contas, é que era tudo verdade.

Na cama, tudo que ela sentia era o que eu sentia. Olhe, não me estranhe com essa conversa mística. É que preciso e não sei explicar. Só sei que misturava tudo que um e outro sentia e desejava. Que tinha um furacão no seu olhar. Que isso mexia seus quadris e era tanta boca, língua e tudo. E como homem, como é que eu podia viver com um negócio desses? Prudente era deixar o tempo carregá-la. Uma mulher que leva um furacão nos olhos não fica muito tempo em uma casa só. Mas ela, moça educada, trouxe o tempo sem ser notada. Me deixou esperando que voltasse para eu enchê-la de encantos e mentiras. E disparar doideiras. E tudo de novo. Mas ela foi.

*O Blog Alguns Momentos publica, uma vez por mês – sempre na última semana –, um texto de um amigo do blog. Tem uma história para contar? Quer escrever também? Mande seu texto para blogalgunsmomentos@gmail.com

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Skank


O mais engraçado da vida é que eu não posso ouvir a voz do Samuel Rosa sem pensar em você. Falei isso alto, dia desses no carro, enquanto ia pra faculdade com o Jota e ele se assustou. “Como assim, caralho? Eu nem gosto dessa merda. Só ouço Skank porque to no seu carro! Fosse no meu tava rolando um Exalta...”.

Expliquei pra ele que não tava falando dele, mas de você. Ele falou que isso é amor. E pior que eu to acreditando nisso. Eu nunca fui num show do Skank com você, nunca nem ouvi Skank com você. Você nunca andou no meu carro. Mas eu sei que você gosta do Skank. Já te vi dizer, no facebook, que as letras do Samuel representam bem a sua vida. E eu morro de vontade de te dizer que, na verdade, a maior parte das letras é do Nando Reis. Mas achei que poderia ser indelicado fazer esse comentário lá.

E é nisso que eu to acreditando nesse papo de amor. Meu pai diz que amar é querer cuidar, ensinar, ter carinho. Eu quero tudo isso com você. E umas outras coisas que seriam ainda mais indelicadas de dizer do que te corrigir no facebook.

Eu só não sei ainda como dizer isso pra você. Será que tem alguma música do Samuel (ou do Nando) que fala disso? Quem sabe você mesma não me diz qual é. Sabe, to achando que isso é amor sim. Sei lá, nunca senti essas coisas com ninguém.

Sou meio inexperiente, viu? Mas to bem afim de aprender. Quem sabe você não topa me ensinar? Você parece ser mais experiente. Te vi na cantina falando com a Duda sobre um ex. Ele gostava de Skank?

Olha, vou te chamar pra ir ao cinema. Te pego em casa, toco Skank no carro e a gente vai falando sobre a banda, as músicas e te digo que acho que te amo. Assim de supetão, na confusão do dia-a-dia, no sufoco de uma dúvida na dor de qualquer coisa. E você pode até se assustar e dizer que não. Que estamos indo muito rápido, foi só um beijo numa festa. Tudo bem. Eu vou persistir.

Arranjo outro encontro, vou planejando pra fazer acontecer, refinando nossa amizade. E do nada vou dizer que preciso de você. Acho que meu amor é inabalável. Qual música será que combina?

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Mudou quase tudo


Dei uma mudada nas coisas por aqui. Naquela prateleira onde você deixava seus livros – sempre comprando, nunca lendo – coloquei minha coleção de Playboys. Agora estão lá, à mostra, peitos, bundas, xoxotas à vontade para quem quiser ver. Sob o tampo de vidro da mesa, finalmente pude colocar as caixas de cigarro. Quase não coube todas que tenho, mas ainda sobrou espaço pra mais uma ou duas que o Digão deve me trazer lá do Nepal.

A geladeira está farta. Cerveja, ovo, linguiça, salsicha, geléia, pão de forma, vodca, suco em caixinha, coca-cola, presunto, queijo e bacon. Não há nenhum sinal de verdura. Fruta, só banana que é pra fazer a cartola que eu adoro.

Minha bateria voltou pro meio da sala. Meu PS3 voltou pra televisão, junto do guitar hero. O Wii, mantive no quarto. Dá pra jogar tênis deitado. Mário também. As tuas plantas, bem... foi você mesma quem deu fim nelas empurrando tudo da bancada da janela. Mas eu resgatei o hortelã e o alecrim. São úteis. A dona Neide perguntou se podia ficar com as orquídeas, acho que ela deve ter replantado lá no apê dela.

Enfim, minha casa agora tem minha cara. Não tem mais a “nossa” – imposta por você – cara. Pouca coisa ficou do seu tempo. Sobraram muito mais os souvenirs emocionais, lembranças. Quase nada físico. Nem porta retrato eu deixei.

Ah... sobrou a samambaia. Aquela que ficava no suporte no hall da escada. Essa ficou. A chave de emergência também ficou por lá, caso você queira voltar.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A felicidade sou eu


Hoje eu acordei pensando em você, acho que sonhei contigo. Saudosa – o que não é nada incomum para mim, você bem sabe. Ainda na cama, naquela preguiça de levantar – que também me é bem cotidiana – revivi nossos bons momentos. Repassei tuas lindas passagens, nossas boas viagens, nossos finais de semana secretos. Enfim, rememorei cada minuto de alegria dos nossos três anos de relacionamento.

E foi aí que me dei conta que sentia saudade. Saudade dos lugares, das pessoas, das risadas, das histórias, dos diálogos. Saudade de acontecimentos. Saudade de momentos. Mas não tinha saudade de você.

Percebi que tudo o que vivi contigo poderia ter sido vivido com qualquer um. Descobri que tudo aquilo foi bom porque eu quis que fosse. Porque ser feliz era a minha escolha. Não tinha nada a ver com você.

Melhor de tudo, caí na real que posso fazer tudo acontecer novamente. Contigo ou com outro. Melhor com outro, claro. Com você, nada mais. Nunca mais. Com outro, quem sabe. Basta eu querer, não é? E acho que estou querendo. Vou refazer minha vida. Vou reviver a felicidade. E, melhor que ter outro alguém, vou ser feliz comigo mesma.