sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Visita*

*Por Maria Carolina

Moço. Não me deixa ir. Diz pra eu ficar só mais um pouquinho, vai? Esse negócio de ir pra ficar pra sempre de outra forma é coisa de covarde. Mas agora é tarde. Já virei a esquina aqui do ministério das coisas que não sei o que vão acontecer e aquela sensação gostosa que alguém especial estava muito perto ficou lá no seu carro. Ficou com você. Droga! Arrisquei com a intuição e errei.

Não sei. Quem sabe alguém apareça? Quem sabe eu volte a sentir isso quando toda essa confusão estrelar passar, não é?

Eu posso entrar na sua casa escondida. Então o tempo verbal muda.

Prepara aí qualquer coisa pra eu comer? Agora é tarde pra café, mas eu aceito um espumante se você tiver.

Quero palpitar sobre seus novos livros. Deixa eu te falar também sobre uns autores que são a sua cara? Quero ouvir sua nova cantora melódica preferida e te mostrar aquela outra latina que você ainda não teve tempo de ouvir.

Posso me aninhar na tua cama e mais tarde te pedir um banho daqueles. Por falar nisso, como sempre foi, se a gente dormir não vai ser direito. Eu ainda tenho várias coisinhas pra mostrar. Certeza que você vai adorar. Vou tentar te acordar daquele jeito que prometi. Eu não prometi?

Eita que agora tenho que ir. Mas faz um café pra mim? Tenta me manipular só um pouquinho. Vamos ver se relaxada com a noite eu não resolvo te contar aquelas verdades que só saem assim, por escrito. Te contar que é pra você que eu canto aquele clássico brega que você pensa que é pra outro. Te contar que meu ciúme é medo bobo da nuvenzinha da minha intuição se instalar por aí em um lugar errado.

*O Blog Alguns Momentos publica, uma vez por mês – sempre na última semana –, um texto de um amigo do blog. Tem uma história para contar? Quer escrever também? Mande seu texto para blogalgunsmomentos@gmail.com

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Não tem nem título pra isso

E quem entende? Quem consegue mesmo vir aqui e explicar pra mim e pra você por que é que as coisas são assim? Não tem regra. Não tem manual. Não tem classificação. Não tem padrão. Não tem rótulo. Não tem porra nenhuma, pra ficar bem claro, que diga o que é certo e o que é errado agora.

Você pode ter seus princípios e eu os meus. Você tem seus anseios, eu tenho meus sonhos. Tu te escondes dos teus medos e eu abro os braços pra qualquer droga que pinta na minha frente, porque quero mais é experimentar mesmo. Você se lança em novas aventuras e eu quero terminar de ler meu livro. Teu passado te formou e eu adoro isso. Quero ouvir o que posso e ignorar o que não importa. Meu passado me construiu e eu gosto ainda mais disso.

E nisso tudo, estamos aqui. Lado a lado. Mãos dadas. Lábios incansáveis, sedentos, famintos. Corpos queimando ao mínimo toque. Roupas voando na menor possibilidade de acontecer. Planos feitos sem saber se vão mesmo acontecer. E quem é que entende? Quem explica o que é isso tudo? Quem diz o que vai acontecer daqui pra frente?

Eu não sei. Acho que você também não faz a menor ideia. Mas eu vou em frente. Batalho, tento, brigo, discuto, reclamo, explico, ouço, canso. Volto atrás, mudo de ideia, concordo, discordo, refaço pensamentos, busco palavras, releio frases. E continuo aqui pra ver onde vai dar. E você?

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Volta no tempo

Se eu pudesse voltar no tempo, voltava lá naquele dia da cerveja, Minha cerveja, sua água. Aliás, eu nem sei por que você escolheu um bar. Engraçado que também nunca te questionei isso. Enfim, voltava naquele dia para poder dizer as coisas mais incompatíveis com você. Fingir que eu era outro. Pra falar qualquer outra coisa diferente do que eu disse e que fez você gostar de mim.

Quem sabe assim as coisas tinham caminhado de forma diferente. Você disse tantas vezes que eu apareci na sua vida na hora errada. Que você ainda tinha tanto pra fazer antes de mim. Precisava terminar os estudos, passar num concurso público, comprar sua casa, ganhar dinheiro, ajudar seus pais, fazer mestrado, ter seu próprio negócio. Tudo isso antes de se apaixonar por alguém como você se apaixonou por mim.

E eu me pergunto se tivesse dito as coisas erradas naquele dia. Se não tivesse te mandado um e-mail no dia seguinte. Se não tivesse ido te visitar só pra bater papo debaixo do bloco. Se não tivesse te beijado no dia do cinema. Se tivesse deixado tudo acabar quando você achou que era melhor porque éramos muito diferentes. Se não tivesse voltado bêbado e falado um monte de verdades na sua cara. Como teria sido?

Será que você tinha vivido tudo o que não viveu? Será que você teria vivido tudo o que viveu? Será que hoje você estaria pronta para ser minha? Será que agora você teria suas conquistas e estaria pronta pra se apaixonar e deixar as coisas caminharem com tranquilidade?

Não sei. Mas acho que se eu pudesse voltar no tempo, pensando bem, voltava mesmo no dia em que você me disse tchau. Pra te abraçar e dizer que, sim, eu tinha aparecido na sua vida na hora certa. Era você quem tava indo embora na hora errada. 

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Altura

Achei graça na primeira vez que te vi. Não sabia se olhava pro teu decote ou pros teus olhos. Acabei ficando paralisado na tua boca. Linda. E ainda ganhava um charme especial enquanto você ria e sorria das bobagens que eu falava.

Depois soube que você me achou mesmo divertido. Pena que eu era baixinho. Do alto dos seus 1,55m, firmados pelo seu pezinho 34, você foi capaz de impor esta barreira. Pena que eu era baixinho. Pena? Só se for pra você.

Pena de você que se impõe obstáculos desnecessários. Pena de você que se sabota diariamente. Pena de você que antes de viver, já roteiriza um script de final infeliz. Pena de você que não se permite e nem se liberta.

Porque eu, ali, naquelas poucas horas ao teu lado, vivi um romance lindo. Te abracei inúmeras vezes enquanto você – de pé, diga-se – apoiava sua cabeça no meu peito. Te beijei apaixonadamente e te disse lindas palavras de amor. Me encantei diariamente com tua boca, que me parecia cada vez mais linda a cada sorriso.

Dormi e acordei com teus olhos me vigiando. Com a paz desse azul esverdeado me acalmando. Me joguei em teu decote. Me lambuzei na tua pele. Te fiz gemer. Te dei prazer. Massageei teus pezinhos 34. Te vi rodar e dançar com vestidos floridos em fins de tarde nubladas em que a gente brincava que você era o sol.

Te vi andar, meio bêbada de vinho, pela casa usando só camiseta e calcinha depois do risoto que te preparei. Te observei tomar banho pelo vidro esfumaçado do box e desenhei um coração no espelho pra quando você saísse do chuveiro.

Mas aí voltei à realidade: eu era baixinho. Mas um pouco mais alto que tuas ideias de felicidade.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Pedaço de papel

Ela achou dentro do carro. Era um recorte de jornal, aparentemente sem sentido. Estava dando aquela limpa no veículo antes de deixá-lo na oficina. E lá no fundo do porta luvas, o pequeno quadradinho acinzentado repousava. Era o anúncio de uma casa de bolos. Bolos feitos sem leite.

E automaticamente toda a lembrança veio à cabeça. Ela, buscando ele em casa. Ele, como sempre, cheio de ideias. Desceu sacodindo o pedaço de jornal. “Olha! Vamos lá agora para comprar um bolo de chocolate. Tô morrendo de vontade”, ele disse. Ele não comia nada com leite. Severa intolerância à lactose. Ela, há pouco tempo, também vinha desenvolvendo certa resistência aos lácteos. “O único animal que toma leite de outro animal é o homem. E ele ainda se acha racional. Todo mundo vai desenvolver um certo nível de intolerância”, dizia um amigo médico do casal.

Mas sabe lá por que – ela não lembrava mais – eles não foram comprar o bolo. Algum outro compromisso dela, ou dele. Um horário de cinema que não podia ser adiado, um aniversário de amigos, uma reunião de família.

O anúncio foi guardado, provavelmente com a promessa de que numa próxima vez, eles iriam atrás do bolo. Ali, ficava à mão. Quem sabe se estivessem passando por perto, não dariam uma paradinha.

Mas como todos os outros sonhos que eles tinham, foi esquecido. Ela nem tinha mais nenhum problema com os lácteos. Não fazia mais sentido ir atrás do bolo. Ele, bem, dele ela nem sabia mais.

Amassou o anúncio e jogou fora, junto a tantas outras lembranças.