sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Foi ruim

E se você vier agora me perguntar “e aí, como foi?” eu vou dizer: foi ruim. Foi bem ruim.

Foi ruim porque perdi você e tudo que você representava. Foi ruim porque na hora que foi bom, você não estava lá pra compartilhar. Foi ruim porque quando foi ruim, não tinha você e aí foi péssimo.

Foi ruim porque, claro, não foi ruim o tempo inteiro. Não dá pra dizer que todos os dias foram chuvosos, sombrios e gelados. Mas nos que foram alegres, solares, calorosos, não tinha tua gargalhada pra trazer ainda mais luz e aí, acredite, foi ruim. E penso ser desnecessário dizer que nos demais, aqueles da chuva, do escuro, do frio, não tinha teu colo e aí, foi ruim também.

E foi ruim porque deu saudade. E foi pior porque descobri que saudade não é sentir falta, mas sentir a presença. E você está aqui, em tudo. Em cada música, em cada filme, em cada restaurante, em cada viagem, em cada show, em cada livro, cada roupa, cada domingo, cada segunda, cada mês. E tudo isso foi ruim. A saudade – sua presença – foi ruim.

Mas hão de dizer que eu cresci, amadureci, vivi, conheci, descobri. Sim. Foi tudo isso sim. E apesar disso tudo ser bom, foi ruim. Porque foi na dor. Porque foi na ausência. Porque foi na raça. Porque foi quase sem respirar. Porque teve dias em que achei que ia morrer. E aí, foi ruim. Bem ruim.

Mas ano que vem vai ser bom. Mesmo que continue ruim.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Periódico

Vou publicar um jornal. Diário. Todos os cadernos. De política, passando por economia, indo às notícias locais, coluna social, esporte, cultura. Nenhum anúncio. Só as notícias. Notícias sobre a saudade que sinto de você. Em todos os setores. Em todas as editorias. Com direito a artigo de especialistas e a editorial imparcial como o meu coração.

Até o horóscopo vai bater. Touro: por que não volta logo sua doida? A lua está em Marte e seu ascendente em Júpiter, pega uma carona que já já estarão todos juntos aqui na Terra. Tua cor é o verde esperança. Teu número é o 2 (você e ele). Gêmeos: calma, cara! Não adiante querer apressar as coisas. Tua lua, teu ascendente e teu coração estão estacionados, mas logo vai ter combustível pra rodar isso aí. Tua cor é o preto luto. Teu número é o 2 (você e ela).

Cultura vai mostrar todos os lindos eventos legais em que fomos separados. Às vezes, capaz até de termos estado no mesmo lugar, ao mesmo tempo, e sem se ver. Também o roteiro de todos aqueles filmes que veríamos juntos, você choraria, eu daria risada, eu choraria, você dormiria, eu roncaria, você daria risada.

Na editoria de Política, as medidas que meu governo vai adotar para implantar programas que viabilizem nossa felicidade. Bolsa amor. Pra mim, pra você e pros filhos que vamos ter. O Congresso vai aprovar por maioria na Câmara e no Senado. Vamos unir governo e oposição. Vamos amar sem Medida Provisória.

Nos Esportes, destaque para as maratonas que venho correndo sozinho. Chamada especial para o UFC que tenho travado contra a vida. E nele não tem regra nenhuma. Vale dedo no olho, sim. Vale puxar o cabelo e cuspir na minha cara. Mas mesmo assim, tenho tido mais nocautes que todo do Team Nogueira. E por fim, a coluna do especialista que lista as possibilidades que tenho de conquistar o troféu deste campeonato, teu coração.

Para Cidades teremos o meu dia a dia, percorrendo esta cidade sem você. O trânsito solitário. As madrugadas embriagadas e os crimes que cometo contra minha sanidade, memória e patrimônio. Atos de vandalismo. Gangues de ciúme que lutam dentro do meu peito, mesmo sem saber por onde você anda.

Minha balança comercial-sentimental estará estampada em manchetes de Economia. Saldo negativo. Déficit. Devedor. Em queda. Quebrando. Auxílio do FMI. Estagnado. Todas as palavras chave, que farão parte deste texto. Se possível, todas no lead. Que é pra ninguém nem perder muito tempo lendo.

Aliás, ninguém vai querer ler lamentos. Notícias sem sentido de um futuro improvável. Fotos vazias com sorrisos sem graça. Meu periódico da saudade será daqueles que só servem pra enrolar peixe.

Será que tu tem ido à feira?

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Máquina do tempo

Oi. Calma! Sou eu. Eu sei que to meio diferente. Mas acho que você já esperava que eu fosse ficar com a cabeça branca, né? Emagreci muito mesmo. Essa cicatriz? Foi um acidente de cozinha. Sim, continuei a cozinhar. Inclusive, isso é o que eu comecei a fazer para viver depois de um tempo. Deu super certo, eu andava estressado com aquela vida de escritório. Tatuagem? Fiz também. Foi depois dessa sua, aí. Bem depois!

Obrigado. Você também vai continuar linda. Principalmente porque não vai se render à pintura de cabelo. Acho isso de uma baita coragem. Você ficará bem com o visual de uma senhora grisalha. Charmosa. Elegante como sempre foi.

Não posso falar muito disso. Mas dá pra dizer que a vida vai te maltratar um pouco. A mim também. Mais a mim que a você, mas você sabe que eu levo as coisas de uma forma bem diferente da sua. Então você vai guardar e sofrer mais. Eu tenho mais o hábito de cuspir tudo por aí e assim me libertar um pouco. Mas a gente ainda vai sofrer. Apesar das boas aparências, manteremos um tanto de dor dentro do peito. E isso é bem ruim.

Mas enfim, não posso demorar e vim pra te dizer uma coisa. Como cheguei aqui? Ah, daqui um tempo vão inventar máquina do tempo e teletransporte. Lembra o tanto que a gente desejava um pra poder correr, se ver um pouquinho e voltar? Pois é, daqui a pouco vai existir. Mas não vamos usar um com o outro.

Enfim, me escuta. Presta atenção, por favor. Eu to vindo do futuro só pra te dizer que ainda te  amo muito lá na frente. Muito mesmo. E eu sei que você também me ama. Então para com isso agora. Ainda dá tempo de consertar tudo. Bate lá na minha porta. Eu ainda não mudei de endereço. Vai, que acho até que vamos ter menos cabelos brancos se nossos corações ficarem tranquilos.

Agora deixa eu ir. Não tenho mais muito tempo. To voltando pro nosso futuro. Espero encontrar as coisas diferentes por lá. Tchau.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Pra esquecer

Tu sabes. Eu sou um guardador. Recorte de jornal, revista, tampa de garrafa, caixinha de fósforo, cartão postal, selo, moedas. Uma infinidade de coisas que eu guardo, que eu digo colecionar, mas que na verdade é só um acumular. Preciso daquelas coisas para me sentir preenchido. Como se tudo aquilo fosse a minha história.

Mas há muito fiz algo que você consideraria um pecado: joguei fora as cartas dela. Talvez eu tenha exagerado, mas o tempo passou e não dá para mais recuperá-las. Não sei se aquele sentimento descrito naquelas linhas permanece o mesmo. Nem o dela, muito menos o meu.

Hoje, atendendo a um arroubo de organização, comecei a fazer uma nova limpa em meus armários. Entre muitos objetos sem valor, algumas memórias, recados da Laura em antigos cadernos. Beijos de batom em guardanapos. Listas de compra em que ela me pedia pra trazer leite, feijão, açúcar e afeto, naquela clara menção ao Chico que ouvíamos juntos. Ela ficava linda quando cantava as letras do Chico Buarque.

Pensei em tirar fotos antes de me desfazer de tudo, mas com alguma melancolia eu simplesmente joguei no lixo. E foi como se cada marca de batom daquela fosse tatuada na minha pele e, agora, arrancada. Escalpo. Senti dor.

Os cadernos desfolhados, como se me arrancassem os cabelos. A lista de compras no lixo, como uma completa reciclagem. De embalagens, de sentimentos.

O mundo é duro e exige força da gente. Certas memórias me lembram que sou fraco, então tento esquecê-las.