sexta-feira, 8 de junho de 2012

Caminho


Vê, meu velho. Vê aonde a gente chegou. Estamos aqui, naquele ponto em que, quando jovens, nunca pensávamos que chegaríamos. Essa vida é mesmo uma graça, não acha? A gente acha que já passou por tudo, já viu tudo, já viveu tudo e, de repente, está a vida aí a nos pregar mais uma peça.

Lembra quando você, tímido, veio falar comigo pela primeira vez na escola? Me deu um bilhete de papel com um poema copiado de um livro de um poeta inglês. Eu não cabia em mim de tanta emoção ao ler aquilo, horas depois, em casa. Trancada no meu quarto, lógico, que era pra ninguém saber que eu estava apaixonada. Como éramos bobos, né? Estar apaixonado era motivo de vergonha.

Mal sabia eu que vergonha mesmo eu iria sentir no dia em que você subiu no banco da praça, logo após a missa, e gritou pra todo mundo que me amava. Meu pai, ao meu lado, soltou fumaça pela venta, catou minha mãe pelo braço e saiu pisando firme em sua direção. Achei que ficaria viúva antes mesmo do primeiro beijo. Meu pai tão furioso que nem percebeu que enquanto ia em sua direção, você já o tinha driblado e se aproximava de mim. O primeiro beijo. Em praça pública! Na frente de toda a cidade! Que vergonha. A melhor vergonha da minha vida.

Ah, meu velho. Quantas coisas passamos juntos. Casamento, as crianças,as brigas, as pazes. Foram muitas viagens, foram muitas festas, foram muitas comemorações. Nós sempre juntos, ainda que não fisicamente. Mesmo no tempo em que você precisou ir morar em São Paulo e a distância não nos permitia a convivência diária, eu sentia tua presença a cada momento.

E agora como faço, meu velho? Você sempre foi tão forte. Como pôde sucumbir antes de mim? Você que sempre segurou minha mão. Você que sempre acalentou meu choro. Como vai ser quando você se for? Me diz, meu velho. Me diz como vou ficar aqui sem você depois de 70 anos juntos. Não morre, velho. Não deixa tua velha aqui só.

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