sexta-feira, 27 de julho de 2012

Revelar liberta a alma


*Por Renata Vieira da Cunha Araújo

É que as vezes, as palavras não saem tão rápida quanto escrevo. Deve ser aquele meu problema de dicção. Hoje faz sete anos que estamos casados, e aproveitando minhas férias, resolvi arrumar nossas coisas na casa nova. Por vezes eu choro, aos gritos por dentro, mesmo vendo o seu esforço em me fazer feliz. Meus olhos se enchem de lágrimas, conto até dez, suspiro, e digo que está tudo bem. Deve ser a minha velha mania de não querer que nada desabe. Achei que somente eu tinha segredos guardados, mas um dia, todos descobrem. O mundo é redondo, já dizia minha vó. Não existem segredos que um dia, não sejam revelados.

Quatro anos que tentamos aumentar a família. Parece uma eternidade, desde aquele dia que nasceu nossa afilhada. Meu Deus, você estava tão feliz, com os olhos brilhando, segurando aquele ser tão pequeno. Logo percebi que minha batalha não seria das mais fáceis. Só eu sabia o quanto o efeito psicológico daquele aborto que fiz aos catorze anos, seria marcado para o resto da minha vida. Todas as tentativas, os exames, as injeções. E aquele dia, em que me olhei no espelho e me senti mãe. Alarme falso, mas fisiologicamente, sou uma mulher apta a ter filhos.

Hoje resolvi limpar aquele quartinho da bagunça. Encontrei uma caixinha marrom com laços dourados, deteriorado pelo tempo. Pesquisei na memória sua origem, e não encontrei. O engraçado é que estamos juntos há 10 anos, e tenho orgulho em falar aos quatro ventos que temos nossa privacidade. Jamais toquei no seu celular, e você no meu. Talvez seja por haver tanta confiança um no outro, que abri sem segundas intenções.

Abro, e vejo um papel de carta amarelado, com letras garrafais e com data de 1997, assinado por aquela sua ex-namorada, que hoje está em Milão. Começo a ler, e caio trêmula no chão. Termino de ler, e choro todas as lágrimas possíveis tendo a certeza de que não vou poder dizer que está tudo bem. Porque não está.

Seu filho, hoje, teria 15 anos. O meu, teria 18. Somos bloqueados psicologicamente. Dez anos ao lado de uma pessoa, que não conhecemos por completo. Sete anos de casamento, sem poder compartilhar o que nos mata lentamente, com medo da reação do outro.

O jantar está na mesa. Fiz aquele seu prato favorito, e abri o vinho que trouxemos da Espanha.

Os segredos foram revelados, o final, só pertence a nós decidir.

*O Blog Alguns Momentos publica, uma vez por mês – sempre na última semana –, um texto de um amigo do blog. Tem uma história para contar? Quer escrever também? Mande seu texto para blogalgunsmomentos@gmail.com

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Problema

De cabeça, pensando aqui, agora, sem fazer muito esforço, acho que já te escrevi uns seis poemas e umas três músicas. Com certeza tem bem mais que isso. É que eu ando meio cansado, com a memória ruim, e já faz tanto tempo desde a adolescência.  Tanto tempo desde que comecei a te desejar que já perdi as contas mesmo.

As músicas, em geral, falam sobre meu amor por você. Sobre meu desejo, meus sonhos e toda a vida linda que construí pra nós dois. Duas são bossas que compus, letra e melodia, no piano. A outra tá mais pra um blues sofrido. Bem lento, cada nota dedilhada com calma no violão.

Os poemas já são mais, como poderia dizer... Eróticos. É, acho que é o melhor termo. Falam de cada detalhe do teu corpo. Tem um soneto inteirinho dedicado àquelas covinhas que você tem nas costas, logo acima das nádegas. Aliás, sua bunda, redonda, lisa, formosa bunda, também tem umas linhas dedicadas à ela. E também aquela pintinha que você tem abaixo do umbigo.

O problema é que você nunca leu nenhum desses poemas. Nem nunca ouviu nenhuma das músicas. O problema é que não sei nem se você gosta de bossa ou blues. O grande problema é que não faço a mínima ideia se você tem covinhas nas costas, pintinhas abaixo do umbigo, uma bunda linda, olhos verdes, cabelos encaracolados ou pele branca.

O problema é que você tem todos esses poemas, todas essas músicas e agora esse texto. E eu não sei nem se você existe. Ou se é só mesmo mais uma das minhas fantasias. O problema é que não sei se você é minha salvação ou o motivo de eu estar preso aqui.

Só sei que lá vem aquela mulher de branco com o copinho d'água e os comprimidos. Só sei que eles me fazem esquecer de você. Só sei que tem uma semana que finjo engoli-los pra cuspir depois. Só sei que essa pode ser minha última homenagem.

Aparece, por favor?

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Nem tenta


Olha, de verdade, é melhor você parar com isso. Não vai dar certo. E nem é muito por você. Acho que é mais por mim mesmo. Eu já me machuquei bastante. Trago aqui nesse peito que você tanto deseja se aninhar uma série de cicatrizes. Rasgos, cortes, furos. Uns muito, outros menos, mas todos doloridos e profundos. E eu não quero um novo. Então, por favor, é melhor você parar.

Deixa dessa coisa de me olhar como quem só tem olhos pra mim. Até porque eu sei que isso não é verdade. Para de me prometer mundos e fundos, principalmente porque teu mundo é outro. Bem diferente do meu. E teus fundos não me interessam em nada. Fosse dinheiro o problema, eu mesma dava um jeito.

Eu não vou fazer planos. Eu não tentar de novo. Eu não vou sonhar como tudo poderia ser pra depois não ser nada daquilo e ficar por aí me lamentando e pensando onde eu teria errado pras coisas desandarem tanto.

E tampouco vou ser sua só por uma noite. Não vou te dar esse prazer de um momento. Pra depois você ficar por aí se vangloriando (ou chorando) e eu com o resto da vida de arrependimento. Sério, para. Não vai dar. Não vai pra frente. Deixa assim. Eu fico daqui de longe admirando teus olhos. Você fica daí de longe, bem longe, com suas mãos afastadas que é pra eu não cair em tentação.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Um flashback, tecnicamente

É uma coisa de energia. Quando você se relaciona com alguém, vai sempre estar ligado em algo daquela pessoa. Seja uma amizade, um namoro, a família, a moça do balcão também entra.

No amor, a coisa pode complicar. Cito aqui um caso que conheci de uma paixão interrompida. Já viveu alguma?

Se já, sabe o que vou dizer. Uma amigo já padeceu de uma total incapacidade de esquecer um certo alguém que lhe despertou o sentimento e ele se entregou. Aquilo acaba, antes do que devia, por algum motivo inimaginável qualquer, mas algo fica.

Uma lembrança, uma vontade daqueeelas, uma certa raiva, uma frustração. Difícil medir aquele sentimento de dúvida: será que teria dado certo? Continuaria bom?

Para alguns, é ótimo viver com esse sentimento. Melhor do que com aquele desanimado arrependimento depois de ter se metido com alguém daquele naipe. Mas quando a falta aperta, aquela coisa que martela na cabeça e diz: se eu encontrar com ele de novo... aaaahhh!

Ai é preciso exorcizar. De que forma?

Lá vem o perigo. Não tem jeito. Esse exorcismo só ocorre com um flash back daqueles. Bem bom! Noite adentro. De pileque, melhor ainda. Ou então um pai de santo entra em campo e tenta resolver. O que não é nada convencional.

Uma vez que os dois indivíduos se tocam, retocam e rola aquele choque, de duas uma: ou a paixão ressurge em ambos, o que fica tudo bacana; ou só em um, o que é una mierda!; ou os dois se abusam de uma vez, enjoam um da cara do outro, o que fica tudo certo também.

E ai? O que você faria? Deixaria rolar pra pagar pra ver ou não?