*Por Renata Vieira da Cunha Araújo
É que as vezes, as palavras não saem tão rápida quanto escrevo. Deve ser aquele meu problema de dicção. Hoje faz sete anos que estamos casados, e aproveitando minhas férias, resolvi arrumar nossas coisas na casa nova. Por vezes eu choro, aos gritos por dentro, mesmo vendo o seu esforço em me fazer feliz. Meus olhos se enchem de lágrimas, conto até dez, suspiro, e digo que está tudo bem. Deve ser a minha velha mania de não querer que nada desabe. Achei que somente eu tinha segredos guardados, mas um dia, todos descobrem. O mundo é redondo, já dizia minha vó. Não existem segredos que um dia, não sejam revelados.
Quatro anos que tentamos aumentar a família. Parece uma eternidade, desde aquele dia que nasceu nossa afilhada. Meu Deus, você estava tão feliz, com os olhos brilhando, segurando aquele ser tão pequeno. Logo percebi que minha batalha não seria das mais fáceis. Só eu sabia o quanto o efeito psicológico daquele aborto que fiz aos catorze anos, seria marcado para o resto da minha vida. Todas as tentativas, os exames, as injeções. E aquele dia, em que me olhei no espelho e me senti mãe. Alarme falso, mas fisiologicamente, sou uma mulher apta a ter filhos.
Hoje resolvi limpar aquele quartinho da bagunça. Encontrei uma caixinha marrom com laços dourados, deteriorado pelo tempo. Pesquisei na memória sua origem, e não encontrei. O engraçado é que estamos juntos há 10 anos, e tenho orgulho em falar aos quatro ventos que temos nossa privacidade. Jamais toquei no seu celular, e você no meu. Talvez seja por haver tanta confiança um no outro, que abri sem segundas intenções.
Abro, e vejo um papel de carta amarelado, com letras garrafais e com data de 1997, assinado por aquela sua ex-namorada, que hoje está em Milão. Começo a ler, e caio trêmula no chão. Termino de ler, e choro todas as lágrimas possíveis tendo a certeza de que não vou poder dizer que está tudo bem. Porque não está.
Seu filho, hoje, teria 15 anos. O meu, teria 18. Somos bloqueados psicologicamente. Dez anos ao lado de uma pessoa, que não conhecemos por completo. Sete anos de casamento, sem poder compartilhar o que nos mata lentamente, com medo da reação do outro.
O jantar está na mesa. Fiz aquele seu prato favorito, e abri o vinho que trouxemos da Espanha.
Os segredos foram revelados, o final, só pertence a nós decidir.
*O Blog Alguns Momentos publica, uma vez por mês – sempre na última semana –, um texto de um amigo do blog. Tem uma história para contar? Quer escrever também? Mande seu texto para blogalgunsmomentos@gmail.com
Nossa, tudo muito profundo e muito triste. Passamos a vida achando que conhecemos o outro e querendo sermos aceitos pelos outros que resulta em infelicidade. Ou seria libertação?
ResponderExcluirKisu!