sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Sete erros


Ainda hoje consigo sentir o cheiro do teu banho e do teu perfume, misturados aos do cigarro, do café e do papel jornal. Era assim que sempre te encontrava na varanda pela manhã. Com teu desjejum: café preto, carlton red e o Correio da Cidade. Eu chegava, ainda recém-acordado depois do banho, te beijava, ouvia tua voz melodiosa dando bom dia e teu cheiro tomava minhas narinas.

Você ali tão compenetrada, lendo sobre política, negócios, economia, mas quando eu chegava perto sempre dizia “as cruzadinhas são minhas”, antes mesmo deu alcançar o caderno dois. Sabe, eu ainda deixo as cruzadas para você. E continuo fazendo o jogo dos sete erros, que era o que me sobrava e você achava simplório.

Simplório, sim. Mesmo assim você não enxergava as diferenças entre os dois desenhos. Assim como não via os sete erros que havia entre nós dois. Mesmo que ali, no canto do quadrinho, houvesse a indicação para todos. (1) Gravata torta no homem, (2) mão fechada na mulher, (3) falta de cumplicidade nos dois, (4) buraco no meio da cama, (5) sorriso sarcástico na mulher, (6) ironias em excesso no homem, (7) ambos de cabeça pra baixo.

Você não via. Estava tudo ali. Uns mais, outros menos evidentes, tudo bem ali no canto direito de baixo do quadro da nossa vida. Escrito em letras pequenas, de cabeça pra baixo, mas bem visível, legível, compreensível.

Só você não via.

O que eu podia esperar de alguém que, quando não sabia o significado do que pedia a cruzadinha, se recusava a olhar o “banco”? “Prefiro deixar em branco a trapacear”, dizia você. “Não é trapaça. A palavra está ali. É uma forma de aprender”, eu retrucava, pra ver se você aprendia.

Mas você não lia, deixava em branco e ria de mim por conferir se os erros que achei no desenho do outro passatempo eram os mesmos da resposta.

Pois saiba que eu chequei a resposta dos nossos sete erros. Eram os mesmos que eu tinha descoberto. Simplórios como qualquer joguinho desses. De jornal ou de amor. Só que você não quis ver. Não quis aprender.

Então, por isso eu fui embora. Que fiquem as lacunas em branco do nosso amor na cruzadinha. Que fiquem erros não descobertos nos desenhos. Que fiquem todos aí com você. Eu vou ficar aqui, lembrando da tua mistura de cheiros, mas completando meus desafios. Aprendendo sempre novos significados.

3 comentários:

  1. Putz!!! Que texto inteligente.
    O legal de ler bons escritores é que eles estão sempre se superando, e nos surpreendendo.

    (Um texto onde o autor vai costurando a ideia, e vai dando pontos em nós)

    abraço

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  2. Também gostei!!

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