sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Lua de mel

*Por Maria Carolina


Ele escolheu muito bem. Tantos anos de amor inventado a fez desenvolver um sexto sentido especial. Conhece tudo sobre ele. Cada detalhe da personalidade. Pelo jeito que ele aninhava em seu colo nas poucas vezes que o encontrou na juventude, sabia se estava preocupado com a saúde, família ou trabalho. Com o olhar, era fácil identificar o que temia, afligia, irritava. Conhecia seu medo da morte e a vontade de morrer para encontrar o pai. Todos seus temores.

A comida preferida -lasanha bem quente- música, amigos, comportamento, sentimentos. Conhecia de cor os livros preferidos, seu fascínio pelas histórias da ditadura, a vontade de conhecer a Polônia. A paixão pelo Flamengo. Onde ele estava no título de 1992. Com quem estava no título de 2009.  Que roupa usou na formatura, onde passou e com quem estava nos carnavais de 2004, 2006, 2010, 2011, 2012 e 2013. Viu sua sobrinha crescer, a irmã casar, a mãe quase morrer, fazer cirurgia, emagrecer, voltar a viver. Conhece bem todos os seus transtornos. Todas as suas vontades. Como gosta de ser beijado, tocado e amado.

E foi ali, no meio do mundo,  27º 10' latitude Sul e 109º 25' longitude Oeste que seu mundo desabou. Ele, na insistência de realizarem um romântico passeio noturno, a deixou notar que não conhecia seu maior temor: extraterrestres.

Como pôde dedicar tantos anos a um homem que não sabia disso? Cinco minutos de reflexão e notou que era uma desconhecida para o marido. Não conhecia o medo de ET, o medo de ratos. Nem sua obsessão por organização, horários, datas, compromissos. Não sabia do seu sonho de viver na Alemanha, seu amor pela cidade natal, a mania de comer laranja, o vício por omeprazol, os gritos que solta quando sonha que está se vendo presa à cama, a ansiedade que a impede de dormir antes de viajar. Ele nunca, sequer uma vez, notou como ela anda a esmo pela casa praticando seu mal humor matutino.

Nunca percebeu suas frases soltas. As frases soltas das suas milhões de músicas preferidas. Não parou para prestar atenção nas suas entrelinhas tão bem amarradas. Nunca havia sorrido, criticado ou comentado a sua psicótica mania de querer entender e explicar todos os comportamentos com base em padrões.

Não se sentiu estranha por ter casado com um homem que não a amava e que não odiava seus defeitos. A verdade é que nem ela permitiu se conhecer. Fez as malas e seguiu para o aeroporto. Ainda fez questão de contar toda a história ao taxista.

Ele ficou por ali, apreciando moais.

*O Blog Alguns Momentos publica, uma vez por mês – sempre na última semana –, um texto de um amigo do blog. Tem uma história para contar? Quer escrever também? Mande seu texto para blogalgunsmomentos@gmail.com

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