domingo, 26 de agosto de 2007

Perto demais

Aquele espaço realmente não era apropriado para tal loucura. Ele chegou primeiro. Escolheu o assento no canto, longe da passagem de olhos curiosos. Longe de conhecidos, próximos, longe da vida que insistia em sufocá-lo e indicá-lo descaminhos, de amor, sobreturo. Ficou ali uns 15 minutos. Ela não chegava. A sala já estava escura. O trailler começava. Um pouco vazia, aquela sessão seria ótima. Mas não sem ela ao seu lado.

Aguardou mais uns cinco minutos. Julia Roberts encontrar-se com Jude Law. Ele precisava de fotos. E ela precisava ganhar dinheiro as tirando e cobrando por elas. As cenas de Perto Demais pouco importavam. Só incomodava mesmo aquela ausência, sentida na pele e na alma por muitos dias, que agora se fazia latente e chata.

Antes de sair de casa, ele avisou: minha mulher estará fora, na casa da mãe. Disse que vou ao cinema, já que não faço isso há um tempão. Hoje é um bom dia para nos encontrar-mos. Ela concordou. Avisou que seu marido precisou fazer uma viagem rápida, de um dia, e também iria ao cinema e ao seu encontro.

O problema é que são casados, vivem numa cidade pequena e correm sério risco de serem pegos uma ou outra hora. Combinaram então assim: ele chegaria primeiro, sentaria em um assento qualquer e a aguardaria. Ela teria uma chegada mais discreta. Entraria na sala quando as luzes já tivessem apagado e o filme começado. Sentaria despretenciosamente ao seu lado, como se estivesse ali um desconhecido.

Mas não combinaram, entretanto, como um acharia o outro. Ele estava na grande sala, esperando por ela. Mas só as luzes da tela e o brilho dos atores iluminavam as dezenas de poltronas. E isso não bastava. Principalmente em se tratando de um filme que fere a ilusão do amor eterno e banaliza a traição, inserindo-a no cotidiano das pessoas sem tomar conhecimento de que alguém ainda acredita que pode ficar ao lado de outra pela vida toda, sem traições ou novas paixões.

Tudo baboseira. Eles próprios não poderiam acreditar no amor eterno. Por seus respectivos, o amor já diminuira e seria facilmente assassinado. Mas sentiam que com eles era diferente. Faltava apenas tempo e espaço. Não tinham isso. Eis ai a razão do encontro no cinema, local público e perigoso. Queriam eles ter um dia de namorados, andar de mãos dadas. Queriam eles abandonar as suas famílias e se aventurar no novo. Faltava, no entanto, coragem de destruir o que demoraram para construir e de recomeçar. Não conseguiam isso e viviam de aperitivos.

15 minutos de filme. Nada dela. Alguma coisa poderia ter acontecido. Ele resolveu olhar para frente, acreditar que ela não viria e tentar conter a frustração. Começou a entender a história. Por um momento, decifrou todo o enredo e não gostou nada do que lhe foi revelado. A confusão amorosa ali descrita é, desesperadamente, parecida com o que ele vivia naquele momento.

Misturou-se então um sentimento de culpa, apego, saudade, alegria e tristeza. Sua vida não estava boa. A dela também não. Sem querer, uma lágrima desceu do canto do seu olho, percorrendo a face até parar no seu lábio. No filme, em sua frente, Jude Law chorava a perda de um amor que só complicou sua vida.

Ele fechou os olhos, apertando para conter mais lágrimas que se anunciavam e sentiu uma mão macia tocar-lhe perto da testa e descer pelo rosto, seguindo o rastro de seu choro. Atravessou a face e, molhada, a mesma mão deitou em seu ombro, enxugando-se em sua camisa. Era ela. Estava na poltrona de trás. Ele pegou sua mão e apertou.

Estavam ali, fisicamente distante para namorados em pleno cinema. Mas, envoltos em amor e limitados pela vida, sentiam-se perto demais. E passaram o resto da sessão de mãos atadas, atados a dúvidas, culpa, medo e uma enorme felicidade.

10 comentários:

  1. Parabéns!!!
    Achei brilhante sua história.

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  2. Lindo texto!!!
    mas continuo não achando baboseira...
    e espero q a vida não me prove o contrário =p

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  3. Po... precisamos ter um sistema de trilha sonora nesse blog. Tive que reler o texto para compreendê-lo bem. Pq na primeira leitura fiquei todo o tempo cantarolando na minha cabeça: "and so it is just like you said it would be. life goes easy on me most of the time. and so it is the shorter story, no love no glory, no hero in her skies. I can't take my eyes off of you..."

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  4. Olha aqui uma dica para a trilha no post:
    http://www.radioblogclub.com/search/0/damien_rice

    Vai lá, clica na música The Blower's Daughter e copia o código em html que vai aparecer e cola no fim do post.

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  5. Ameeeeii o texto! Muito bem escrito, Toty! Nossa, você conta com tantos detalhes que tudo fica muito nítido. Parabéns! Por falar nisso, os colaboradores deste blog estão de parabéns! Textos muito bons!! Este aí abaixo está demais também! Me permiti me colocar no lugar da moça que se maquiava e percebi que é desse jeitinho mesmo. Vocês são ótimos: observadores, criativos e supreendentes! Bjos

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  6. Meu Deus hein pedenrique!
    Tem uma galera sinixxtra lendo nosso blog, neguinho!

    Amina azul aí até ensinou a colocar a trilha sonora.. totalmente demais!

    E muito obrigado pelos elogios, Paulinha! Se é amiga do toty, tá ótimo!

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  7. Ai que lindo!
    Amei esse texto apesar da crueldade dos fatos!
    Esse filme é bom demais!

    Beijos

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  8. Coca-cola, ótimo texto.
    Sempre sofrido, mas ótimo!

    Tão ficando famosos, heim???

    besos

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  9. Meu Deus!! meu irmão é muito Romântico!! Lindo!!!

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  10. Ahhhhh esta parte parece comigo:"No filme, em sua frente, Jude Law chorava a perda de um amor que só complicou sua vida..." hahahahahaha ô vida!!! Eu sou a Jude Law!!!

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